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Generais do governo Bolsonaro revelam o que pensam sobre Chile e Bolívia

Prudência recomenda evitar declarações sobre a evolução da situação política em países vizinhos

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Por Marcelo Godoy
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Caro leitor,

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É conhecido o anticomunismo dos oficiais generais. Difícil não escutar de um deles essa profissão de fé. Todos podem querer distância das confusões da política nacional, mas debaixo da farda o coração pulsa. E o coração dos generais está do lado direito do peito. 

Assim é possível interpretar a aversão que muitos confessam em relação aos esquerdistas que governam ou governaram o País e os nossos vizinhos sul-americanos. Não só. Uma reedição da teoria dos dominós de John Foster Dulles também parece haver se infiltrado no pensamento de muitos desses oficiais, não apenas do vice-presidente Hamilton Mourão.

O ministro Augusto Heleno com o presidente Jair Bolsonaro: general prevê muito negociação para aprovar reforma. Foto: Adriano Machado/Reuters - 7/11/2018

Há ainda reflexos do pensamento positivista. Na equipe de Bolsonaro, o general Aléssio Ribeiro Souto advogava a criação de institutos tecnológicos e a expansão do ensino técnico no País, como os positivistas do século passado. Se eles desaconselhavam a criação de universidades no Brasil, pois acreditavam que se tornariam instrumentos do catecismo da Igreja, Aléssio parece ver nelas um instrumento da esquerda na guerra cultural, esse artigo de fé do bolsonarismo.

A consequência desse "estado de guerra" é não haver neutralidade possível. Quando um general do Alto Comando diz que Evo Morales já “foi tarde” ou outro afirma que a situação no Chile "preocupa", demonstram o pensamento existente em parte do Exército. Se a situação no Chile “preocupa”, por que a da Bolívia se comemora? A defesa da democracia não deveria depender da coloração de governos. Ou ela é um valor universal ou arrisca-se perder outros valores da República, como a igualdade perante a lei e as liberdades, em sua ausência.

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Em uma situação pouco clara, a experiência recomenda prudência. É essa prudência que a polarização desconhece. E, ao desconhecê-la, revela o que há de verdade em um discurso. Dizer as coisas oportunas era por si só, para os gregos, a atividade política, considerada antes de tudo como palavra.

Não é só Jair Bolsonaro que se deixa trair pelo descaso com as palavras. A neutralidade e imparcialidade dos generais aos poucos se vê enredada pelas vestes dos que se deixam encantar pelo bolsonarismo. É o caso de Augusto Heleno. O general não entende que não basta “colocar óbices” à adoção de um AI-5. É necessário repudiar tal sandice. Ainda que, no mesmo dia, tenha dado entrevista na qual afirmara não haver outra saída “fora da democracia”, ficou a imagem de que apenas tentava desdizer o que de fato dissera em razão da repercussão desfavorável.

Seria igualmente prudente evitar declarações sobre a evolução da situação política em países vizinhos. Em muitos deles se imputa ao Brasil falsas pretensões imperiais que são alimentadas por declarações que, desnecessariamente, exibem autoridades militares palpitando sobre países estrangeiros, em temas que deveriam estar na alçada apenas do Itamaraty ou da Presidência.

Quando isso acontece, é difícil fazer crer aos embaixadores estrangeiros que este não é um governo de militares. Até quando os moderados das Forças Armadas vão conseguir manter suas instituições distantes dessa confusão? Ou do radicalismo reacendido pela libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Por enquanto, o comando do Exército consegue silenciar os corneteiros do Twitter. Nos quartéis, a faina após a alvorada se limita dia a dia às missões constitucionais. A República proclamada por Deodoro da Fonseca agradece.

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