Funai alerta para avanço da cocaína em tribos da fronteira

Droga teria chegado à maioria das 230 aldeias do Alto Solimões, perto do Peru e da Bolívia

PUBLICIDADE

Por Roldão Arruda
Atualização:

Na região amazonense do Alto Solimões, na fronteira do Brasil com o Peru e a Bolívia, os índios brasileiros enfrentam uma nova ameaça: o avanço da cocaína em suas comunidades. De acordo com o administrador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Tabatinga, o ticuna Davi Félix Cecílio, a droga está presente na maioria das 230 aldeias da região, nas quais vivem cerca de 54 mil índios. "Estou muito preocupado. Acho que chegou a hora de um grito de alerta", disse Cecílio ao Estado. De acordo com suas informações, o consumo da droga aumenta entre os jovens indígenas, que também estariam sendo utilizados para o transporte da droga - os chamados mulas. A situação mais grave é a da comunidade de Umariaçu, que fica na área urbana de Tabatinga. "Pela minha estimativa, de cada cinco jovens dali, um já está viciado", disse Cecílio. "Eu sei disso porque ando por aí, não fico aqui grudado na cadeira do escritório. Eu escuto o que os caciques dizem e sei dos problemas que eles enfrentam", continua. A área que Cecílio administra há quatro anos fica às margens do Solimões, de frente para os territórios da Colômbia e do Peru. Acredita-se que quase toda a droga que circula em território brasileiro venha dos países vizinhos. "O Solimões, a principal via de transporte por aqui, é como uma grande rodovia sem nenhum tipo de controle, sem nenhuma fiscalização eficiente", diz o professor Constantino Ramos Lopes, presidente da Organização Geral dos Professores Ticuna Bilíngüe, no município de Benjamin Constant, a 32 km de Tabatinga. "A droga circula de noite, de dia, a qualquer hora. Boa parte vem do Peru, onde alguns grupos cultivam a coca como qualquer outra cultura agrícola." O coordenador da área de Operações Especiais de Florestas da Polícia Federal, delegado Mauro Sposito, também admite que se trata de uma área de difícil controle: "Há muita facilidade para se adquirir droga na região." Pelas observações do coordenador do Conselho Geral das Tribos Ticunas, Nino Fernandes, a maior atenção dos traficantes na região, sejam colombianos, peruanos ou brasileiros, é o envolvimento dos índios com o transporte das drogas. "De canoa, por terra, por toda parte tem gente levando a droga de um lugar para outro", afirma ele. A situação pode ser mais grave do que isso. De acordo com o jornal inglês The Guardian, as autoridades militares brasileiras constataram há pouco que o plantio de coca também avança na região de Tabatinga. Helicópteros do Exército descobriram há pouco um laboratório de refino da droga a 130 km daquela cidade. "É um fato sem precedentes e que nos surpreende", comentou ontem o coronel Antonio Filho, ao falar sobre a descoberta. Os 54 mil índios da região estão divididos entre várias etnias, tais como ticuna, cocama, cambeba, caixana, canamari. O grupo mais numeroso é o ticuna, com 37 mil integrantes. Segundo Cecílio, há cerca de uma semana quatro índios do grupo cocama foram presos em Manaus, acusados de tráfico. Na opinião dele, o combate à droga deve ser feito com a união das entidades públicas. Mas não só para fiscalizar: "É preciso construir escolas profissionalizantes, que possam oferecer perspectivas aos jovens." SUPERESTIMADOS A Funai reconheceu que a situação da região é preocupante, mas achou exagerados os números apresentados pelo administrador. "Não temos nenhum indicador que comprove que existe um dependente de droga entre cada cinco jovens indígenas", disse em Brasília o presidente substituto e diretor do setor de assistência da instituição, Aloysio Guapindaia. Ele também informou que a Funai está desenvolvendo atividades na região para diminuir a vulnerabilidade dos jovens. "O principal interesse dos traficantes não é criar consumidores entre os índios, mas mobilizá-los para o tráfico", observou. "Por isso, nossa maior preocupação é criar mecanismos de desenvolvimento auto-sustentável nas comunidades, oferecer meios para gerar renda e abrir mais perspectivas para os jovens."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.