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Francine cuida dos irmãos e da casa. Se der tempo, vai à escola

Aos 15 anos, adolescente de Paulistânia perdeu, por faltas, direito à bolsa

Foto do author José Maria Tomazela
Por José Maria Tomazela
Atualização:

Enquanto os pais trabalham no campo, a menina Francine Mislaine Camargo Raimundo, de 15 anos, arruma a casa, serve o almoço dos três irmãos menores, lava a louça, ajuda o pequeno Jadson no banho, passa as roupas das irmãs Mariele Amanda e Adriele Cristina e, se der tempo, vai à escola. Aluna da 2ª série do ensino fundamental, no fim do ano passado ela somou 95 faltas às aulas e perdeu o direito ao Bolsa-Família. O programa do governo federal dá um auxílio médio de R$ 100 por família, mas exige frequência a pelo menos 85% das aulas. No Estado de São Paulo, o pior desempenho ocorre em Paulistânia, a 340 km da capital, onde 46,6% dos alunos cadastrados no programa não atingiram o mínimo de frequência. Francine é um deles. Com tanta responsabilidade em casa, ir à escola é quase um luxo. A cidade, de apenas 1.976 habitantes, no centro-oeste paulista, cercada de canaviais, plantações de laranja e eucaliptos, está entre os municípios de pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado. O lugarejo ainda tem ruas sem asfalto e moradias sem esgoto. Guido e Zilda Camargo Raimundo, os pais de Francine, trabalham nos laranjais. Saem de casa bem cedo e só retornam quando começa a anoitecer. FERIADO Francine sonha em ser dançarina e diz que assumir a responsabilidade dos pais não atrapalha tanto a ida à escola. "É que no ano passado teve muito feriado, o pessoal emendou e acabei faltando também." Ela não consegue controlar o menino Jadson, que prefere brincar na rua a estudar. "Quando eu penso que está na aula, encontro ele andando de bicicleta." A rua também é o lugar preferido dos irmãos Caique Gustavo, de 8 anos, e Amanda Carolina, de 12. Eles passam a maior parte do tempo na casa da avó Marina Aparecida de Oliveira, de 53 anos. Marina é merendeira da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Sebastião de Oliveira Rocha e faz de tudo para que os netos não percam aulas. Não adianta. Amanda, da 6ª série, prefere andar a cavalo. Laçadora exímia, participa de campeonatos, mas não soube dizer o nome do governador de São Paulo e não tinha a "menor ideia" de quem assumira a presidência dos Estados Unidos. Ela e Caíque, aluno da 5ª série, ficaram abaixo do índice de frequência escolar. O menino operou a garganta, por isso perdeu muita aula, defende a avó. Outra neta, Larissa, de 9 anos, conseguiu a frequência porque a mãe, Luciene Oliveira, não a deixa faltar. A família de Natália Idalgo, de 16 anos, também teve a bolsa bloqueada. "Tive mais de 100 faltas." O pais trabalham com artesanato e viajam para vender os produtos. Para ajudar em casa, a garota olha outras crianças e recebe gratificação. "Hoje, tenho de cuidar de quatro." A menina quer ser modelo e, apesar das faltas, passou para o 1º ano do ensino médio. A cidade tem apenas duas escolas, a municipal e a Escola Estadual Profª Aracy Santinho Barbieri, que atende também alunos do ensino médio. A vice-diretora Solange Maria Calvo responsabiliza os pais pela baixa frequência às aulas. "Mesmo com o risco de perder a bolsa, eles pouco se empenham para mandar os filhos à escola." Em 2008, dos 200 alunos, 20 foram retidos por excesso de faltas. "Destes, 13 são do ensino médio, o que indica que pode estar relacionado com o trabalho", diz. No caso das crianças, quando o aluno falta mais de uma vez, os pais são avisados. Se as ausências persistem, o Conselho Tutelar é comunicado. "Quando pai e mãe deixam a casa para trabalhar, pouco se pode fazer", disse.

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