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Fragmentado, Congresso vira desafio para o ex-deputado

Presidente terá de afinar a articulação com o Parlamento para fazer avançar sua agenda de metas; a história mostra que desprezar o jogo político com os congressistas nunca deu certo

Por Marcelo de Moraes
Atualização:

Caro leitor,

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Jair Bolsonaro soube faturar como ninguém três elementos que se mostraram muito fortes na eleição presidencial: a insatisfação com a corrupção no meio político, o conservadorismo e o antipetismo. Com essa combinação, o ex-capitão do Exército virou a política tradicional de pernas para o ar e chegou ao Planalto. Só que se eleger é uma coisa e governar é outra. E, apesar de seus 27 anos como deputado federal, Bolsonaro tem demonstrado pouco jogo de cintura para lidar com um Congresso sempre preparado para aprontar surpresas e completamente fragmentado. 

Por mais que o eleitor tenha dado um claro recado à velha política, renovando fortemente o Congresso, ele também fez com que Câmara e Senado se tornassem Casas extremamente fracionadas. Ou seja, o poder está dividido entre muitos partidos, como é possível ver nestes gráficos que detalham a futura formação da Câmara e do Senado.

Num cenário como esse, a negociação política se torna muito mais complexa porque precisa dedicar atenção a muitos players simultaneamente. Nada disso está ocorrendo. Pior: Bolsonaro flerta com um novo e perigoso estilo de governar, baseado numa espécie de "democracia direta", onde, supostamente, seria mais importante dar atenção à gritaria, muitas vezes irracional, da internet do que debater com forças representativas da sociedade, como os deputados e senadores, tão eleitos pelo povo quanto ele. 

Este editorial

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do Estadão aborda muito bem o grave risco que representa essa "democracia direta".

Claro que é muito bem vindo o plano de Bolsonaro de sepultar o presidencialismo de coalizão, um modelo falido que só trouxe problemas para o País, como já foi comentado pelo BR18. Mas o presidente eleito não pode simplesmente ignorar completamente a opinião de deputados e senadores. Ou achar que os parlamentares votarão as propostas enviadas pelo governo apenas pensando “no bem do País”.

Bolsonaro parece se esquecer que no gogó não se leva muita coisa dos parlamentares. E ele sabe que vai precisar de muitos votos para aprovar reformas fundamentais para o equilíbrio da economia brasileira, como é o caso da Previdência Social. Sempre é bom lembrar que por ser uma alteração na Constituição, uma proposta desse tipo precisa de três quintos dos votos da Câmara e do Senado em dois turnos. Ou seja, como

escreveu Vera Magalhães

, o risco de dispersão provocado por essa articulação frouxa pode ameaçar a votação mais crucial logo na largada do novo governo.

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A reforma da Previdência foi delimitada como a prioridade número 1 do novo governo. Isso foi confirmado na agenda de metas estabelecida pela equipe de Bolsonaro para os 100 primeiros dias. É nesse prazo que o texto da proposta de reforma deverá estar pronto para ser enviado para o debate – e talvez para a guerra – no Congresso.

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Um dos pontos mais nebulosos na relação do governo com o Congresso é saber quem fará, afinal, a intermediação entre as partes. Bolsonaro já disse que “todo mundo” acabará tendo de exercer um pouco esse papel para conseguir aprovar as propostas de interesse do governo. Mas é difícil acreditar que uma estratégia tão solta quanto essa possa dar resultados positivos. 

Este editorial

mostra bem que será necessária clareza na articulação, sob pena de ver naufragar qualquer votação importante. E hoje ninguém sabe exatamente quem manda na articulação: se o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se o secretário-geral da Presidência, general Santos Cruz, se o vice-presidente, general Hamilton Mourão, ou se o próprio Bolsonaro. O perigo é que todos queiram mandar ao mesmo tempo, o que, quase sempre, pode significar bagunça. Em

entrevista ao Estadão

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, Santos Cruz deixou claro que pretende participar sim das conversas com os parlamentares.

Não tem atropelo nenhum nessa articulação. Não vai haver trombada

General Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo

E os parlamentares farejam de longe quando há fragilidades. Bolsonaro passou boa parte do período de transição política precisando conviver com as suspeitas sobre as movimentações de dinheiro atípicas feitas por Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho Flávio Bolsonaro, e que foram detectadas pelo Coaf. Foi a senha para que grupos políticos, como o Centrão, usassem a história para avisar ao novo presidente que o caso poderia crescer no Congresso se eles continuassem a ser maltratados. 

Para aumentar a tensão, existe ainda a disputa pelo comando da Câmara e do Senado. Rodrigo Maia tem o apoio do Centrão e é favorito à reeleição na Câmara. Entre os senadores, Renan Calheiros tenta chegar ao quinto mandato como presidente. Nenhum dos dois é o candidato dos sonhos de Bolsonaro.

Originalmente, o presidente gostaria de eleger algum de seus aliados diretos para poder garantir o controle da agenda de votação das duas Casas. Mas, novamente, sem articulação, o plano nasceu morto. Dependente do Congresso para aprovar as reformas, o ministro da Economia,

Paulo Guedes, começou a dialogar

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diretamente com Renan e com Maia, por conta própria, reduzindo essa tensão.

Desprezar o jogo político com os parlamentares nunca deu muito resultado. Dilma Rousseff, por exemplo, tinha paciência zero para isso e, mesmo tendo a maior base de apoio já formada dentro do Congresso, acabou sendo engolida pelas raposas do Parlamento.

Num ano em que o Brasil viveu fatos muito marcantes, como a prisão de Lula, a paralisação dos caminhoneiros e o triunfo do voto conservador, Bolsonaro foi a maior de todas as novidades, como comento neste podcast:

Bolsonaro chega à Presidência com muito capital político que os eleitores lhe delegaram nas urnas. E é justamente essa força que precisa usar para defender suas propostas. Com alguma organização poderá ter grande sucesso. Sem ela, periga ser atropelado sem dó, nem pena, pela Casa onde criou sua carreira e seu mito.

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