Força do pai ajudou Carlúcio na cadeia

Ex-militante ainda se emociona ao falar dele

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Por Redação
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Hoje aos 61 anos, Carlúcio de Souza Castanha Júnior, que vive no Recife, é um homem pacato. Mas na juventude foi militante da VAR-Palmares, uma das organizações clandestinas de combate à ditadura, e treinou táticas de guerrilha nas matas de Paulista, cidade das cercanias da capital pernambucana. Quando foi preso pela primeira vez, nos idos de 1970, chegou a se preparar para "mandar pelo menos dois policiais para o inferno" com as duas armas que levava, uma na cintura e outra na pasta. O pai, que tinha o mesmo nome, o convenceu a não reagir e se entregar. Se Carlúcio demonstrou coragem ao encarar os policiais, fortemente armados com fuzis e metralhadoras, o pai foi bem além. Ao receber o filho, abatido e magro depois da primeira prisão, o velho Castanha, que nunca foi simpatizante do socialismo ou militante político, negou-se terminantemente, diante do temido coronel Cúrcio Neto, a assinar o documento no qual estava escrito que o prisioneiro se encontrava em boas condições de saúde. "Não assino, meu filho foi barbaramente torturado", disse, olhando nos olhos do oficial, em pleno quartel do Exército em Olinda. Perdido, Cúrcio correu entre os militares que preparavam a procuração pedindo que os termos fossem mudados. "Naquele dia, vi o que é valentia como aquela do velho Castanha, que desafiou o chefe dos torturadores no Estado. Me emocionei com a atitude dele e jamais esquecerei aquela cena", diz Carlúcio. Sua atitude, descreve o ex-guerrilheiro e ex-militante do Sindicato dos Metalúrgicos, levou vários outros pais a também se negarem a rabiscar o documento. Na cadeia, nas celas do DOI-Codi e do Dops, Carlúcio, que iniciou a militância política em Brasília Teimosa, famosa favela recifense, descobriu como sobreviver com dignidade à tortura, que incluía sessões de choques, pau de arara, dias na solitária, muita pancada e dias sem comer ou beber. "Os torturadores não queriam somente informações. A intenção deles era roubar a nossa alma, nossa esperança e nos quebrar como seres humanos em uma guerra ideológica." Quando entendeu esse propósito, Carlúcio passou a ver no torturador um inimigo de classe, que queria vê-lo humilhado. Isso lhe deu forças para resistir.

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