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Filósofo Ruy Fausto morre aos 85 anos em Paris

Segundo o sobrinho Sergio Fausto, ele sofreu um enfarte enquanto tocava piano no apartamento em que morava

Por Alessandra Monnerat
Atualização:

Um dos mais reconhecidos intelectuais de esquerda do País, o filósofo Ruy Fausto morreu nesta sexta-feira, 1º,  aos 85 anos, vítima de um enfarte, enquanto tocava piano no apartamento onde morava em Paris. Doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Fausto era um dos principais teóricos do marxismo no Brasil. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, divulgou uma nota de pesar (leia abaixo).

Nascido em São Paulo em 22 de janeiro de 1935, Ruy era irmão do historiador Boris Fausto. De acordo com seu sobrinho, o cientista político Sergio Fausto, o corpo do filósofo foi encontrado por sua ex-mulher, recostado ao piano. Ele vivia isolado, devido à pandemia do novo coronavírus. 

Ruy Faustomorreu em Paris aos 85 anos; filósofo escreveulivros comoA Esquerda Difícil Foto: Felipe Rau/Estadão

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Sergio lembra que o tio tinha paixão pelo instrumento musical e pelo jazz. O filósofo chegou a participar de uma banda nos anos 1950. “Ele retomou essa paixão recentemente, e tocava com muita frequência”, diz Sergio. O colega Renato Janine Ribeiro, professor de Filosofia na USP, recorda de outra história de Ruy com o piano: “Quando houve o AI-5, ele saiu do Brasil para o Chile e, de lá, foi de navio para a França. O piano o fez companhia e ele tocava com muita frequência”.

Democrata. A maior parte da carreira acadêmica de Ruy Fausto foi dedicada ao estudo de Karl Marx, um dos autores da teoria do socialismo. A principal obra do escritor é Marx: lógica e política, uma coleção de três volumes de ensaios escritos entre 1973 e 1997. “Posso dizer que ele foi um dos maiores conhecedores de Marx no Brasil”, afirma Janine Ribeiro.

Sergio Fausto ressalta que, embora a obra acadêmica do tio seja voltada a um público mais especializado, nas últimas décadas ele ganhou uma audiência mais ampla. “Ele começou a participar mais ativamente do debate público e da defesa da democracia”, ressalta Fausto. “Sua contribuição foi de alto nível e ele passou a falar com mais pessoas”.

Nos últimos meses, Ruy Fausto se dedicou ao lançamento da revista política Rosa, em que pretendia reunir textos com ideais democráticos de esquerda. A primeira edição foi publicada em março deste ano. A apresentação da publicação cita o “momento muito difícil do país” e afirma que o governo de Jair Bolsonaro tem sido uma “antologia do horror”, com “contatos estreitos com forças internacionais de extrema-direita”. 

Janine Ribeiro recorda que os valores democráticos eram fundamentais para a obra de Ruy Fausto. “A grande contribuição dele foi a união entre a esquerda e a democracia”, disse.

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Sergio Fausto destaca a “independência de pensamento total” do tio: “Ele era muito crítico ao regime cubano, ao chavismo. Ele tinha profundas convicções socialistas e democráticas. Era um homem que aspirava a um mundo mais igualitário”.

Em entrevista ao Estado em 2017, o filósofo reafirmou seu repúdio a todas formas de populismo, totalitarismo e adesismo. Na época, ele lançava Caminhos da Esquerda: elementos para uma reconstrução. Para o escritor, era necessária a formação de uma frente única e progressista para as eleições presidenciais de 2018, com nomes como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ). 

Nos anos seguintes, o acadêmico continuou a defender uma ampla união da esquerda e de movimentos populares, contra o que chamava de uma “real ameaça à democracia”, representada por Bolsonaro. “Não era um homem dogmático, sabia que era preciso fazer escolhas reais”, diz Sergio Fausto. “Era um homem utópico, que acreditava em um mundo melhor”, diz Sérgio.

Generosidade. O sobrinho afirma que a família ficou muito surpresa com a morte de Ruy. “Ele ainda tinha muitos planos. Parecia que tinha 20, 30 anos. Tinha uma energia intelectual impressionante, e era muito generoso com os mais jovens”, disse.

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Nas redes sociais, admiradores de sua obra e ex-alunos expressaram pesar. O ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad escreveu que Ruy era uma “grande figura humana e pensador de fôlego. Fará muita falta”. O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) publicou que “teremos menos luzes para compreender o Brasil, que vive as sombras desses tempos estranhos e tristes”. 

Professor de Teoria das Ciências Humanas na USP, o filósofo Vladimir Saftale publicou que Fausto“era um verdadeiro amigo de mais de 20 anos, alguém a quem tinha profunda afeição e gratidão”. O filósofo e sociólogo Emir Sader lembrou que Ruy dirigiu seu mestrado na USP. “Grande amigo o Ruy, que nos deixou agora”, escreveu. Professor de Políticas Públicas da USP, Pablo Ortellado lamentou a perda do ex-professor: “uma figura humana e intelectual de enorme grandeza”. 

Ruy Fausto deixa a ex-esposa e a filha, Luisa. 

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Nota da FFLCH

Nota triste neste 1º de maio de 2020: faleceu Ruy Fausto, professor emérito do Departamento de Filosofia da Usp, aos 85 anos, em Paris, França. 

Ruy Fausto era formado em direito pela Faculdade do Largo São Francisco, curso que seguiu paralelamente a seus estudos de graduação em filosofia, quando a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) – atual FFLCH – ainda era sediada na Rua Maria Antônia. Com o golpe militar, teve de deixar o Brasil e se exilar no Chile, onde foi professor da Universidade Católica de Santiago. Depois da queda de Allende, se refugiou na França, onde já fazia estágio de pesquisa. Defendeu dois doutorados em 1981, como exigia a legislação francesa da época, sob a orientação de Jean Touissant- Dessanti, e se tornou professor da Universidade de Paris VIII. Sua atuação acadêmica foi devotada principalmente à investigação exaustiva da dialética de Hegel e Marx. Em meados dos anos 1980, com a reabertura democrática, passou a voltar frequentemente ao Brasil, inclusive para ministrar cursos no Departamento de Filosofia. Em 1989, defendeu sua livre docência na Universidade de São Paulo. Escreveu vários livros e artigos dedicados à dialética e ao marxismo, entre os quais se destacam os volumes de Marx: Lógica e Política. Investigações para uma reconstituição do sentido da dialética.

Ruy Fausto não se considerava exclusivamente um professor universitário, mas também um intelectual preocupado com o debate público, principalmente com os rumos daquilo que imaginava ser uma esquerda democrática. Foi essa ideia que perseguiu com energia – muitas vezes polemicamente – nas inúmeras intervenções que fez em artigos e entrevistas, onde procurava articular o pensamento teórico com o momento político. Dessas suas reflexões se destacam os livros: A esquerda difícil: em torno do paradigma e do destino das revoluções no século XX e alguns outros temas (2007), Outro dia (2009) e Caminhos da esquerda: elementos para uma reconstrução (2017). Foi um dos editores da revista Fevereiro e acabara de fundar a revista Rosa.  

Sempre generoso com os amigos e com os estudantes brasileiros bolsistas em Paris, Ruy Fausto tinha uma memória notável que fazia dele um admirável contador de casos. Era também grande piadista e, como observou seu amigo Bento Prado Júnior, um obcecado dotado de auto-ironia. 

Foi também poeta bissexto, tendo publicado Os piores anos de nossas vidas: histórias, “suspiros poéticos e saudades” (2008), além de poemas dispersos em revistas.

Não havendo compensação para a perda, resta o consolo de que faleceu ao lado do piano. Ruy Fausto também era um craque no instrumento. Texto do professor Márcio Suzuki, representando todo o corpo docente do Departamento de Filosofia e a Diretoria da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

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