Fazenda Nacional questiona ato de Moro

Segundo o órgão, decisão de impedir uso de provas da Lava Jato contra delatores põe em risco cobrança de R$ 2,3 bi em débitos tributários

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Por Idiana Tomazelli
Atualização:

BRASÍLIA - A decisão do juiz Sérgio Moro de impedir o uso de provas obtidas pela Lava Jato contra delatores deflagrou um clima de insegurança na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) em relação à cobrança de R$ 2,3 bilhões em débitos tributários dos investigados. O órgão jurídico do Ministério da Fazenda vai pedir esclarecimentos sobre o alcance da decisão, pois teme que a medida acabe limitando a atuação dos procuradores, já que as apurações tiveram as delações como ponto de partida.

O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela 13ª Vara de Curitiba, que cuida de casos de corrupção na Petrobrás Foto: Gabriela Biló/Estadão

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De acordo com despacho divulgado no dia 13, Moro proibiu órgãos de controle de usar informações da Lava Jato contra empresas e delatores que colaboram com as investigações. Determinou também que, caso as instituições queiram utilizar os dados, devem solicitar a ele autorização específica sobre o colaborador ou a empresa leniente. A medida atinge, por exemplo, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Receita Federal e o Tribunal de Contas da União (TCU).

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A Receita Federal já fez autuações no valor de R$ 14,6 bilhões relacionadas à Lava Jato. O Fisco e a PGFN fazem um monitoramento para identificar se há risco de não pagamento devido à dilapidação do patrimônio desses devedores. Quando esse perigo existe, o órgão jurídico entra em campo para pedir o bloqueio de bens e assegurar a quitação do débito no futuro. As medidas cautelares deferidas já chegam a R$ 2,3 bilhões, parte delas tendo delatores como alvos. Os pedidos são feitos à Justiça do local de domicílio dos devedores.

A avaliação dos procuradores é de que cabe esclarecimento, pois se a decisão tiver de fato a intenção de impedir o compartilhamento, todo o trabalho feito nos últimos dois anos será perdido. Como as apurações dos débitos tributários começaram com as informações fornecidas pelos colaboradores, a vedação do uso dessas informações “contaminaria” todas as demais provas obtidas, anulando todo o processo.

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“Entendemos que a decisão não tem esse alcance, mas a gente, em contato com o Ministério Público e com a própria 13.ª Vara (do juiz Sergio Moro), vai solicitar um esclarecimento para que seja passado a limpo e realmente não haja nenhuma dúvida em relação a isso”, diz o coordenador-geral de Estratégias de Recuperação de Créditos da PGFN, Daniel de Saboia Xavier. “Não faz sentido a gente dar um tratamento privilegiado ao delator em relação a quem não cometeu crime nenhum.”

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Segundo o Estadão/Broadcast apurou, a Receita Federal também está pedindo esclarecimentos sobre a decisão de Moro. O entendimento é de que o despacho, da forma como foi redigido, pode atrapalhar as atuações do Fisco e que o juiz não teria esse condão, já que a cobrança de tributos é prevista em lei e é um direito do Estado. Embora as conversas sejam informais, uma manifestação formal de Moro é considerada necessária para que não haja dúvidas da possibilidade de atuação da Receita e que os delatores não terão nenhum privilégio em relação a quem paga seus tributos em dia. 

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Procurada, a Receita não se manifestou formalmente. A reportagem também procurou a 13.ª Vara Federal de Curitiba, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição.

Uma das preocupações é que os alvos das autuações do Fisco usem a decisão de Moro para se defender na esfera fiscal. “Aí, tudo vai por água abaixo. E novos lançamentos também ficarão prejudicados porque eventuais provas coletadas em novas delações não poderão ser utilizadas para deflagrar procedimentos de fiscalização. É um risco muito alto para tudo que já foi feito”, afirma Xavier.

Compartilhamento de provas já foi defendido por Moro em decisões passadas

Moro já defendeu o compartilhamento de provas em decisões tomadas no passado no âmbito da Lava Jato. No entanto, a pedido do Ministério Público, o juiz revogou parte desses compartilhamentos em abril e vetou o uso de provas contra os delatores pelos órgãos de controle e pelo governo federal, como revelou o jornal Folha de S.Paulo

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A avaliação nos bastidores é de que a medida tinha por objetivo blindar empresas e pessoas que colaboraram com a Lava Jato para desvendar crimes de sanções e punições proferidas pelos órgãos de controle, mas acabou ameaçando também os trabalhos da Receita e da PGFN.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

Veto do juiz gerou polêmica

1. O que decidiu o juiz federal Sérgio Moro? Em decisão de 2 de abril, o magistrado, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância judicial, vetou o uso de provas da investigação por órgãos de controle para aplicar punições ou processar delatores e empresas que fizeram acordo de leniência.

2. Qual foi a justificativa para o veto? Segundo Moro, é “necessário proteger o colaborador ou a empresa leniente de sanções excessivas de outros órgãos públicos” para não “desestimular a própria celebração desses acordos”. A Procuradoria-Geral defendeu a decisão.

3. Que órgãos foram afetados pela decisão de Moro? Tribunal de Contas da União (TCU), Receita Federal, Advocacia-Geral da União (AGU) e Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que têm como prerrogativa a aplicação de sanções a empresas e pessoas físicas que cometerem crimes contra o Estado e o mercado financeiro.

4. O que dizem esses órgãos? O ministro do TCU Bruno Dantas considerou a medida uma “carteirada” de Moro. Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, braço jurídico do Ministério da Fazenda, vê risco de não conseguir reaver R$ 2,3 bilhões em dívidas tributárias de investigados na Lava Jato por causa do veto do magistrado.

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