Favelados no Rio estão sendo 'transferidos para periferia'

Geógrafo diz que proteção de áreas verdes tem sido utilizada como justificativa.

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Por Denize Bacoccina
Atualização:

Especialistas no desenvolvimento e história das favelas do Rio de Janeiro afirmam que elas estão sendo paulatinamente transferidas para a periferia da cidade. Segundo o geógrafo Mário Pires Simão, um dos coordenadores da ONG Observatório de Favelas, não existem números recentes que confirmem o fenômeno, mas ele diz que a organização tem verificado o processo. "O número de favelas na cidade não tem aumentado tanto", diz Simão. "Mas aumentam osloteamentos irregulares na periferia." Na opinião de Simão, esse processo pode representar uma piora na qualidade de vida das pessoas, que em vez de morar em condições précarias, mas próximos ao local de trabalho, acabam vivendo em condições igualmente precárias e ainda precisam enfrentar horas de viagem para chegar ao trabalho. O sociólogo Luiz Antonio Machado Silva, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e autor de vários estudos sobre favelas, afirma que também tem observado a transferência das favelas para a periferia, mas não concorda que o processo necessariamente piore a situação das pessoas. "Alguns aspectos pioram, outros melhoram", afirma Machado, para quem o crescimento econômico em algumas periferias tem na verdade melhorado a condição de vida da população que mora nessas regiões. Machado Silva diz ainda que no centro e nas regiões nobres do Rio existem hoje apenas favelas antigas e que a terminologia nem sempre é adequada. "De favelas, elas praticamente só têm o nome. Existe uma grande heterogeneidade entre elas e algumas têm a mesma estrutura urbana de outros bairros, outros são mais precárias." Para Mário Pires Simão, a principal novidade não é a transferência ou o crescimento de favelas na periferia, e sim o motivo que tem sido cada vez mais usado para justificar o processo: a proteção do meio ambiente. Segundo ele, a proteção das áreas verdes e morros da cidade tem tomado o lugar do discurso sobre segurança para defender a transferência dos agrupamentos. Simão acredita que o discurso sobre proteção ambiental é mais amplamente aceito pela sociedade do que o argumento tradicional de intervenção por causa da segurança, mas ele acha que se concentrar apenas nas favelas é um erro. "É um discurso forjado, porque as favelas não são as únicas responsáveis pela degradação do meio ambiente. Também há condomínios que fazem isso." Os dados do Censo mostram que a população favelada no Rio vem crescendo desde os anos 50. Naquela época, viviam em favelas 7% dos moradores da cidade. A proporção cresceu para 10,2% na década seguinte, aumentou para 13,3% nos anos 70, caiu para 12,3% nos anos 80 e voltou a subir, para 16%, nos anos 90. O último Censo, de 2000, diz que vivem em favelas 1,09 milhão de pessoas - 18,7% da população carioca. Mas especialistas que estudam o assunto afirmam que o número é maior, em cerca de 1,5 milhão de pessoas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só considera favela um agrupamento com mais de 51 unidades e computa a existência de 516 núcleos nesta condição na cidade. Já a Prefeitura do Rio não estabelece número mínimo de moradias e considera que a cidade tem 752 favelas - só que não conta o número de moradores nessas condições. Segundo os especialistas, com a transferência de favelas para a periferia, a tendência é a estabilização da população favelada na cidade do Rio e a expansão nas cidades ao redor da capital. Diante dessa situação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lança nesta sexta-feira, nos complexos de Pavão/Pavãozinho e Cantagalo, um pacote de obras do governo federal nas favelas do Rio, o chamado PAC das favelas. O governo promete investir R$ 35 milhões em obras de urbanização, implantação e ampliação dos sistemas de abastecimento de água, esgoto e drenagem pluvial, construção e melhoria de ruas, construção de creches, casas, praças, quadras poliesportivas e melhoria das redes de iluminação. É a primeira vez que o presidente vai a uma favela no Rio de Janeiro, com exceção de um evento de campanha no ano passado na Cidade de Deus, que a rigor não é uma favela, mas um conjunto habitacional popular. Antes dele, o único presidente a visitar uma favela carioca foi Fernando Henrique Cardoso, que foi a Acari em 1995. Na semana passada, foi realizada uma grande operação policial no morro do Cantagalo, para tentar prender o responsável pelo roubo de um turista estrangeiro no Rio. Nesta semana, porém, o porta-voz da Presidência, Marcelo Baumbach, disse que não foi planejado nenhum sistema especial de segurança para esta visita e que ela segue o padrão normal das outras viagens e visitas do presidente. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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