Família inaugura busto de bronze de Rubens Paiva no Rio

Durante homenagem, família de torturado defendeu transformação de DOI-Codi em centro de memória da ditadura

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Por Felipe Werneck
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Duas filhas do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em 1971 no antigo DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) da Barão de Mesquita, na Tijuca, zona norte do Rio, defenderam nesta sexta-feira, 12, a transformação do quartel em centro de memória, durante a inauguração de um busto de bronze do pai. A homenagem, que reuniu cerca de cem pessoas, ocorreu na praça Lamartine Babo, em frente ao 1.º Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou o principal centro de torturas no Estado na ditadura militar (1964-85). Em cartazes, manifestantes pediam a "abertura de arquivos da ditadura" e "tortura nunca mais". No início da cerimônia, com o busto ainda coberto, a voz de Rubens Paiva podia ser ouvida até mesmo dentro do quartel. Em depoimento à Rádio Nacional no dia do golpe militar, o então parlamentar conclama trabalhadores e universitários de São Paulo a fazer uma greve geral em solidariedade ao presidente João Goulart. Sentada na plateia improvisada, Eliana Paiva, uma das filhas, abraçou a tia Maria Lúcia Paiva de Mesquita e chorou. "A gente tinha ficado 43 anos sem ouvir a voz dele. Agora, é como se tivéssemos finalmente um lugar para homenageá-lo", discursou Vera Paiva.

Busto foi colocado em praça diante de quartel onde Rubens Paiva foi torturado Foto: MARCOS DE PAULA/ESTADÃO

A filha falou sobre a dificuldade de encerrar o ciclo de luto, porque até hoje o corpo de Rubens Paiva nunca apareceu. "O desaparecimento é uma forma de tortura também, assumida pelo aparato militar, que continua acontecendo até hoje", discursou. Pouco antes, ela falava ao Estado sobre o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por PMs da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha em julho de 2013, segundo denúncia do Ministério Público. Vera também citou a visita que havia feito mais cedo ao que restou do Cais do Valongo, na região portuária do Rio, onde desembarcavam africanos escravizados: "Vem da escravidão a experiência e a cultura de apoio à tortura no nosso País". Ela terminou seu discurso falando sobre o significado histórico da homenagem e disse que a família se sente privilegiada, mas que há muitas outras histórias a serem contadas. "Eu gostaria que este ato fosse o início do resgate da memória, da transformação desse espaço em um museu, como a Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) reivindica." Ex-preso político torturado no DOI-Codi da Barão de Mesquita, o jornalista e escritor Álvaro Caldas, integrante da CEV-Rio, disse que a homenagem a Rubens Paiva é uma forma de antecipar a transformação do quartel em museu e defendeu que também seja instalado no local um busto do jornalista Mário Alves, morto no DOI-Codi do Rio em 1970. "Se não podemos fazer o museu lá dentro, fazemos aqui fora, na praça", disse Caldas, que terminou seu discurso criticando o fato de até hoje o Exército negar a ocorrência de torturas em suas instalações, "com a conivência e a covardia dos governos civis". Também ex-preso político, o atual secretário de Meio Ambiente do Rio, Carlos Alberto Muniz, que representou o prefeito Eduardo Paes (PMDB) na cerimônia, referiu-se ao quartel como "antro" e disse que Rubens Paiva "foi exemplo de trajetória política e estava do lado certo". Idealizada pelo aposentado Lao Tsen, a homenagem foi uma iniciativa do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio - Rubens Paiva era engenheiro. Inicialmente, o busto ficaria de frente para o quartel, mas acabou sendo chumbado de costas para os militares. "Eu até prefiro, porque parece que ele está saindo. Ficaria mais aflita se tivesse ao contrário", disse a filha Eliana, que comemorou a decisão de quarta-feira do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região sobre o caso Rubens Paiva. Pela primeira vez, um tribunal brasileiro reconheceu que assassinatos e desaparecimentos de corpos atribuídos a agentes da ditadura são crimes contra a humanidade, seguindo o entendimento do Ministério Público Federal de que não se aplica a Lei da Anistia. "É uma nova geração de operadores do direito não comprometida com a ditadura", disse Vera, que terminou lendo uma mensagem envida pelas duas irmãs que moram no exterior: "Pai, a ditadura impediu você de ter um túmulo, mas não conseguiu apagar a sua alma."

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