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Faltam portas de saída para Bolsa-Família, diz especialista

Para Néri, maior desafio do programa é incluir políticas de educação e emprego que possam mudar a vida das pessoas

Por Gabriel Manzano Filho
Atualização:

O foco do Bolsa-Família é bom e a transferência de renda que consegue é mais eficaz que a de programas tradicionais. Mas o cerne da questão continua: o Bolsa-Família não tem capacidade de transformar a vida dos pobres. Essa é, em resumo, a avaliação do economista Marcelo Côrtes Néri, que dirige o Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, sobre os números divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a respeito do mais importante programa social do governo Lula. O Perfil das Famílias Beneficiárias do Bolsa-Família revela que o programa já atinge praticamente um quarto da população do País. São, em números absolutos, 45,8 milhões dos 190 milhões de brasileiros. Mas o estudo aponta, também, que metade dos responsáveis pelas famílias não tem ocupação fixa e só 2,8% têm carteira assinada. Faltam as "portas de saída", que deveriam resultar de políticas de emprego, de qualificação profissional ou da educação. "Esse é o maior desafio do programa", avalia Néri, um veterano estudioso da questão da pobreza no Brasil. Para ele, "é tempo de investir na qualidade, e não na quantidade dessas transferências". O que significam os números do IBGE sobre o Bolsa-Família? Os dados comprovam, primeiro, que o foco do Bolsa-Família é bom, melhor que os programas de transferência de renda tradicionais, mesmo os que foram criados depois da Constituição de 1988. Mas, além disso, indicam também que se trata de um programa que não tem capacidade de transformar a vida dos pobres. Esse é o desafio maior que os organizadores do programa enfrentam. Como afirmei em um recente estudo a respeito, o problema é que, uma vez interrompido o programa, a sua clientela volta ao status marginalizado original. Programas compensatórios não constroem por si portas de saída da pobreza: é preciso projetá-las, para que os pobres as abram. Ter chegado a 45,8 milhões de famílias, o que representa praticamente um quarto da população brasileira, é uma boa coisa? Essa meta recém-atingida, de 11,1 milhões de famílias, suscita a pergunta de até onde ir com o programa. Acredito que ele chegou ao tamanho ideal de população e é necessário pensar em melhorar a qualidade, seja pela emancipação da pobreza ou por melhorias do cadastro. Adotar medidas como trocar os beneficiários pouco pobres pelos mais pobres. Seria necessário introduzir inovações que favoreçam o acesso dessas fatias mais pobres aos mercados. Isso seria criar portas de saída eficientes, através do que se poderia chamar de choque de capitalismo nos pobres. Como atingir a essa meta? O caminho para isso seria colocar, sob um guarda-chuva integrado o conjunto de transferências governamentais, como aposentadoria rural e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), aos vários programas que são parte do Bolsa-Família. É hora de investir na qualidade, e não na quantidade, dessas transferências. Buscar uma maior unificação das diferentes ações sociais. Melhorar a qualidade do incentivo escolar para as pessoas que estão na faixa dos 7 aos 15 anos. E, na fase posterior de atuação do Bolsa-Família, criar não um incentivo ao primeiro emprego, mas uma segunda Bolsa-Família, melhorando os baixos níveis educacionais. Quem é: Marcelo Côrtes Néri >Economista, é diretor do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV. >É doutor em Economia pela Princeton University (EUA). >Estuda a questão da pobreza no País e tem publicado livros sobre o tema, como "O Mapa do Fim da Fome", "Retratos da Deficiência no Brasil" e "O Mapa da Exclusão Digital".

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