Até 18 de outubro, o Memorial da Resistência, no antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), na região central de São Paulo, expõe a mostra "A luta pela Anistia - 1964 - ?". A interrogação representa três lacunas que ainda persistem, passados 30 anos da anistia política: os arquivos da ditadura ainda não foram abertos, os corpos de ex-presos e perseguidos políticos continuam na obscuridade, sem identificação e sem serem devolvidos às famílias e, ao contrário de Argentina e Chile, não houve punição dos responsáveis por torturas, prisões não autorizadas, sequestros, assassinatos, ocultação de cadáveres, entre outros crimes.
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As reflexões, com fotografias, textos e até celas (na exposição permanente do Memorial da Resistência) reconstituídas tal como eram no período, relembram a anistia, marcada por um acordo que pôs fim às perseguições políticas e ao cerceamento da liberdade.
Na mostra, podem ser vistos materiais de imprensa como jornais, folhetos, cartazes, cartilhas, livros, fotos e documentos gerados pelos órgãos de repressão política que mostram como se deu a perseguição a todo cidadão que insinuasse algum tipo de ameaça àquele regime.
A seleção dos materiais foi feita pelo curador da mostra, o jornalista e ex-preso político, Alipio Freire. De acordo com ele, apesar de passados 24 anos que a ditadura acabou, com a eleição do primeiro presidente civil, o Brasil ainda hoje não conta com uma democracia legítima, já que sem a abertura de todos os arquivos da ditadura, a entrega de todos os corpos de desaparecidos e a punição dos responsáveis, a sociedade ainda continua respaldando uma era em que o uso da força foi a prática mais comum.
Durante os cinco anos em que esteve preso em presídios como o Tiradentes e o Carandiru, ambos extintos, o próprio Deops, e DOI-Codi na Rua Tutóia, Freire sofreu todo o tipo de tortura. Além disso, havia aqueles torturadores que sentiam prazer e eram estimulados pelos superiores a usar técnicas de tortura. "As atrocidades continuam sendo praticadas, só nos resta lutar por um mundo mais justo e humano", diz, em referência ao fato de os presos comuns continuarem sendo torturados nas prisões brasileiras.
O poder dado a cada militar, irrestritamente, pode ter ocasionado o enfraquecimento do regime, afirma o professor de Ética da USP, Renato Janine Ribeiro. "O Jornalista Elio Gaspari, autor de uma série de livros sobre o regime, defende a tese da anarquia militar, na qual cada torturador, sargento ou coronel fazia o que queria", diz. Com isso, o controle do poder central sobre esses grupos ficava fragilizado. "Cada um interpretava do seu jeito. Ninguém prestava contas dos seus atos", reforça. Desaparecer com um desafeto era o mais comum.
Celas reconstituídas
O período militar também pode ser conhecido ou relembrado na mostra permanente do Memorial da Resistência. O prédio, hoje reformado, que foi construído por Ramos de Azevedo, inaugurado em 1914, abrigou o antigo Deops, reformado na década de 90. Com as modificações na construção, as condições em que os presos eram mantidos não podem ser conhecidas em sua totalidade.
Para aproximar o visitante à realidade do período militar, uma das celas reproduz o espaço físico tal como foi na época. O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe) e ex-preso político, Ivan Seixas, conta que a peça foi reformada para retratar ao máximo o cárcere original, já que as condições originais do edifício não foram preservadas, a fim de manter a história do local. Uma maquete do antigo prédio no Memorial mostra como os espaços foram modificados.
Ivan foi preso aos 16 anos e permaneceu 6 anos detido, sem existir legalmente na relação dos presos. O pai, Joaquim Seixas, operário e membro do Movimento Revolucionário Tiradentes, foi morto ao ser torturado. "Vivíamos um período que vigoravam três leis em que qualquer cidadão podia ser enquadrado: a de greve, de imprensa e a eleitoral", relembra.
Na linha do tempo - um espaço do Memorial que já abrigou celas - constam os principais acontecimentos do século XX e começo do XXI. Lá é possível observar as datas e as propostas dos Atos Institucionais que começaram a ditar o tom militar, a começar pelo primeiro - que previa eleições indiretas, suspensão de funcionamento de estabelecimentos públicos e imunidade parlamentar - e culminou com o número cinco - o AI-5, de 1968, que suspendeu as garantias constitucionais e foi considerado o maior ato repressivo do governo da época, dirigido pelo general Garrastazu Médici.
Recursos audiovisuais também são utilizados para reavivar a memória dos que viveram à época, e mostrar aos que não viveram um pouco da coerção pela força praticada pelo regime.
A entrada no Memorial da Resistência e na exposição não é cobrada. O agendamento de visita para grupos escolares é feito pelo (011) 3324-0943 e 3324-0944. Para aproximar os alunos daquela realidade os monitores criam hipóteses e situações para os estudantes entenderem como se dava a limitação de ação e comunicação dos perseguidos. O horário de visitação é das (10h às 17h30), de terça-feira a domingo. Somente as exposições nos 2º e 4º andares são cobradas - R$ 6, o ingresso.