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Exposição no antigo Deops mostra luta política na ditadura

No ano em que se comemoram os 30 anos da Lei da Anistia, Memorial da Resistência relembra anos de chumbo

Por Carolina Spillari
Atualização:

Até 18 de outubro, o Memorial da Resistência, no antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Deops), na região central de São Paulo, expõe a mostra "A luta pela Anistia - 1964 - ?". A interrogação representa três lacunas que ainda persistem, passados 30 anos da anistia política: os arquivos da ditadura ainda não foram abertos, os corpos de ex-presos e perseguidos políticos continuam na obscuridade, sem identificação e sem serem devolvidos às famílias e, ao contrário de Argentina e Chile, não houve punição dos responsáveis por torturas, prisões não autorizadas, sequestros, assassinatos, ocultação de cadáveres, entre outros crimes.

 

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Assista ao vídeo com imagens da exposição

 

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As reflexões, com fotografias, textos e até celas (na exposição permanente do Memorial da Resistência) reconstituídas tal como eram no período, relembram a anistia, marcada por um acordo que pôs fim às perseguições políticas e ao cerceamento da liberdade.

 

Na mostra, podem ser vistos materiais de imprensa como jornais, folhetos, cartazes, cartilhas, livros, fotos e documentos gerados pelos órgãos de repressão política que mostram como se deu a perseguição a todo cidadão que insinuasse algum tipo de ameaça àquele regime.

 

A seleção dos materiais foi feita pelo curador da mostra, o jornalista e ex-preso político, Alipio Freire. De acordo com ele, apesar de passados 24 anos que a ditadura acabou, com a eleição do primeiro presidente civil, o Brasil ainda hoje não conta com uma democracia legítima, já que sem a abertura de todos os arquivos da ditadura, a entrega de todos os corpos de desaparecidos e a punição dos responsáveis, a sociedade ainda continua respaldando uma era em que o uso da força foi a prática mais comum.

 

Durante os cinco anos em que esteve preso em presídios como o Tiradentes e o Carandiru, ambos extintos, o próprio Deops, e DOI-Codi na Rua Tutóia, Freire sofreu todo o tipo de tortura. Além disso, havia aqueles torturadores que sentiam prazer e eram estimulados pelos superiores a usar técnicas de tortura. "As atrocidades continuam sendo praticadas, só nos resta lutar por um mundo mais justo e humano", diz, em referência ao fato de os presos comuns continuarem sendo torturados nas prisões brasileiras.

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O poder dado a cada militar, irrestritamente, pode ter ocasionado o enfraquecimento do regime, afirma o professor de Ética da USP, Renato Janine Ribeiro. "O Jornalista Elio Gaspari, autor de uma série de livros sobre o regime, defende a tese da anarquia militar, na qual cada torturador, sargento ou coronel fazia o que queria", diz. Com isso, o controle do poder central sobre esses grupos ficava fragilizado. "Cada um interpretava do seu jeito. Ninguém prestava contas dos seus atos", reforça. Desaparecer com um desafeto era o mais comum.

 

Celas reconstituídas

 

O período militar também pode ser conhecido ou relembrado na mostra permanente do Memorial da Resistência. O prédio, hoje reformado, que foi construído por Ramos de Azevedo, inaugurado em 1914, abrigou o antigo Deops, reformado na década de 90. Com as modificações na construção, as condições em que os presos eram mantidos não podem ser conhecidas em sua totalidade.

 

Para aproximar o visitante à realidade do período militar, uma das celas reproduz o espaço físico tal como foi na época. O presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe) e ex-preso político, Ivan Seixas, conta que a peça foi reformada para retratar ao máximo o cárcere original, já que as condições originais do edifício não foram preservadas, a fim de manter a história do local. Uma maquete do antigo prédio no Memorial mostra como os espaços foram modificados.

 

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Ivan foi preso aos 16 anos e permaneceu 6 anos detido, sem existir legalmente na relação dos presos. O pai, Joaquim Seixas, operário e membro do Movimento Revolucionário Tiradentes, foi morto ao ser torturado. "Vivíamos um período que vigoravam três leis em que qualquer cidadão podia ser enquadrado: a de greve, de imprensa e a eleitoral", relembra.

 

Na linha do tempo - um espaço do Memorial que já abrigou celas - constam os principais acontecimentos do século XX e começo do XXI. Lá é possível observar as datas e as propostas dos Atos Institucionais que começaram a ditar o tom militar, a começar pelo primeiro - que previa eleições indiretas, suspensão de funcionamento de estabelecimentos públicos e imunidade parlamentar - e culminou com o número cinco - o AI-5, de 1968, que suspendeu as garantias constitucionais e foi considerado o maior ato repressivo do governo da época, dirigido pelo general Garrastazu Médici.

 

Recursos audiovisuais também são utilizados para reavivar a memória dos que viveram à época, e mostrar aos que não viveram um pouco da coerção pela força praticada pelo regime.

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A entrada no Memorial da Resistência e na exposição não é cobrada. O agendamento de visita para grupos escolares é feito pelo (011) 3324-0943 e 3324-0944. Para aproximar os alunos daquela realidade os monitores criam hipóteses e situações para os estudantes entenderem como se dava a limitação de ação e comunicação dos perseguidos. O horário de visitação é das (10h às 17h30), de terça-feira a domingo. Somente as exposições nos 2º e 4º andares são cobradas - R$ 6, o ingresso.

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