O Exército irá apurar "eventuais transgressões" numa apostila usada pelo Serviço de Inteligência num curso ministrado em setembro de 1997. Na apostila, que orienta o serviço de espionagem, o Exército admite "arranhar direitos dos cidadãos, numa espécie de arbítrio necessário", fala sobre "eliminar oponentes" e usa o termo "forças adversas" para classificar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), equiparando-o ao narcotráfico e ao crime organizado. O uso destes termos em documentos usados pelo serviço de espionagem do Exército foi divulgado pelo jornal Folha de São Paulo na quinta-feira . Em nota oficial de três laudas divulgada hoje, o chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex), general Luiz Cesário da Silveira Filho, afirma ser "surpreendente" o fato de a apostila conter expressões como "arranhar direitos dos cidadãos" e "eliminar oponentes", que não constam mais de documentos atuais. Por isso "eventuais transgressões serão apuradas e adotadas as imprescindíveis correções". O chefe do Cecomsex admite, no entanto, o uso "didático" da expressão "força adversa" para a classificação de movimentos sociais como o MST. Segundo a nota, o Exército usa "força adversa" para designar "segmentos radicais infiltrados em grupos, movimentos sociais, entidades e organizações não-governamentais (ongs), de cunho ideológico ou não - atuando no País ou no exterior - com potencial para realizar ações ilegais que venham a comprometer a ordem pública, e até mesmo a ordem interna do País". O texto ressalta que as "forças adversas" são constituídas por brasileiros que defendem "causas - que lhes parecem justas", com instrumentos não reconhecidos como legítimos pela opinião pública. "Normalmente, os anseios dessa parcela da população são explorados por lideranças que têm interesses e objetivos divergentes da massa manobrada, instigando-a à violência e à quebra de normas de convivência pacífica", diz a nota. Em seguida, o texto faz referência uma direta ao MST, admitindo que a caracterização do movimento como força adversa pode "soar imprópria", mas "a adjetivação se aplica àqueles que, abrigados pelo movimento, atuam, de forma flagrante, à margem da lei e da ordem, defendendo uma estratégia revolucionária por descrer na via pacífica eleitoral". Na nota, o Exército afirma ainda que, desde 1994, foi desencadeado um processo de modernização da inteligência militar, com o aperfeiçoamento de procedimentos e o surgimento de nova mentalidade. Na sexta-feira, o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou ao Palácio do Planalto o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, cobrando explicações. Quintão repassou a tarefa ao Exército, que, só hoje, cinco dias após a divulgação do material, prestou os esclarecimento. A apostila foi encontrada numa ação de busca e apreensão conduzida por procuradores da República na instalações do Grupo de Operações da 23ª Brigada de Infantaria da Selva, em Marabá (PA).