O conflito entre o excesso de regras da Justiça Eleitoral e o direito à informação escancarou a necessidade de mudanças na legislação. A avaliação é do cientista político e professor do Ibmec São Paulo, Carlos Melo, do professor de jornalismo Carlos Chaparro e do jornalista e diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center for Scholars, Paulo Sotero. Na avaliação dos três, o excesso de regras dificulta o esclarecimento do eleitor. Um exemplo citado é o formato engessado dos debates na TV, em oposição ao sistema adotado nos Estados Unidos. Foram discutidas, ainda, as ações movidas contra o Estado e outros veículos de comunicação por entrevistas com pré-candidatos à Prefeitura de São Paulo. A seguir, os principais trechos do debate promovido ontem na TV Estadão. EUA x BRASIL SOTERO: "A estrutura da política nos EUA é diferente. A regra básica está na primeira emenda da Constituição norte-americana: liberdade de expressão. Não há como cercear a liberdade de um candidato dizer o que bem entender, de participar ou não participar, ou de um órgão de imprensa entrevistar ou deixar de entrevistar. A Fox News apóia John McCain e a MSNBC apóia Barack Obama. Os candidatos também têm de assumir o risco de participar dos debates. Os eleitores é que decidirão se isso foi ou não uma boa idéia. Mas não quero dar a impressão de que isso seja um nirvana.Tenho um estudo feito pela Comissão Presidencial de Debates que questiona qual o nível de votação nacional necessário para participar de debates. (...) A ação movida contra o Estado por publicar entrevista com pré-candidato (Gilberto Kassab) seria absoluta perda de dinheiro nos EUA. Nenhum juiz aceitaria a reclamação. Ela viola a primeira emenda da Constituição, que diz que o Congresso não aprovará nenhuma lei limitando o direito de expressão." DEBATES NO BRASIL MELO: "O Brasil não está bem servido em termos de debates. Há dispersão muito grande de candidatos, interesses, focos e o eleitor acaba se atendo ao processo eleitoral na reta final do primeiro turno e no segundo turno. Vão sendo criadas restrições e mais restrições, para proteger o cidadão, que acabam restringindo o debate. E onde o legislador foi omisso, o Judiciário resolve se manifestar, criando legislação fora dos autos. A campanha acaba engessada e desinteressante. É problema sério que precisamos resolver." CHAPARRO: "Este modelo se insere em um contexto de conflitos que são próprios da democracia, entre o direito do candidato de lutar por seus interesses, por regras que o favoreçam, e o direito à informação que é o direito da sociedade, que cabe ao jornalismo satisfazer. E o que estamos vendo aqui é que o modelo político do debate eleitoral serve principalmente aos interesses do candidato. Eles ocupam o espaço do jornalismo para fazer uma coisa que nada tem a ver com o jornalismo: vão fazer marketing. Os candidatos são personagens. O formato está errado. O jornalismo deveria encontrar formas de resolver esse problema pela perspectiva do jornalismo, que tem de ser a perspectiva da sociedade, não dos partidos. Ninguém se esclarece com debates. Os candidatos fazem um jogo de hipocrisia, de simulações. É um desserviço à sociedade. O jornal e a TV não precisam do debate para elucidar a opinião pública." MARKETING NOS EUA SOTERO: "Os candidatos estão ali para vender seu peixe. Quem vai julgar isso no final são os cento e poucos milhões de eleitores. O que não há nos EUA é a fragmentação partidária daqui e a preponderância de emissoras de TV. Aliás, os canais abertos são cada vez menos importantes para esse tipo de debate. Quem apresenta as primárias são TVs a cabo. Mas, nos EUA, o marketing é permanente: antes, durante e depois dos debates. Imediatamente após os debates há um circo que se arma. Os principais assessores saem para convencer jornalistas de que seu candidato ganhou." DIREITO À INFORMAÇÃO MELO: "Um meio de comunicação respeitado - TV, rádio ou jornal - trabalha com o princípio da credibilidade. O leitor, telespectador ou ouvinte é absolutamente soberano. O número de assinantes de um jornal, por exemplo, é o seu patrimônio. Por isso, o próprio marketing dos meios de comunicação leva a um certo equilíbrio. Com relação ao marketing dos candidatos, temos um problema sério: pesquisas qualitativas anteriores à campanha. É aquilo que vai construir os programas eleitorais, que protege o candidato de saias-justas. Mas política não é assim. Política é conflito. Política tem esse sentido de definir quais são os interesses majoritários, vitoriosos, mas essa política acaba sendo esvaziada em busca da opinião média, que não desagrada a ninguém." SOTERO: "A função primordial do jornal é mostrar que o candidatos diziam tal coisa e hoje dizem outra. O papel da imprensa é examinar exatamente isso e não se deixar cair na questão de marketing desses atores." CHAPARRO: "Há um conflito de linguagens. Estamos fundamentados na lógica do consumismo, e o marketing é uma ferramenta muito forte, que tem grande potencial de gerar conteúdo. Isto, usando unicamente a linguagem da propaganda, que socializa as informações apenas benéficas. É legítimo. Já o papel social da linguagem jornalística é outro. É o de fazer com que o conflito aflore. E fazer isso de modo que a sociedade seja elucidada. Se debates e sabatinas servirem a isso, ótimo. Mas mesmo assim é preciso ser criativo, ousado, preservando a linguagem jornalística das tentações do marketing de comandar as ferramentas de comunicação." CENSURA A BLOGS CHAPARRO: "São cacoetes da ditadura que contrariam princípios fundamentais da democracia. Direito à informação é, além do direito de saber, o direito de dizer. O blog é ferramenta extraordinária para que cidadãos exercitem o direito de dizer. É ótimo para a democracia." SOTERO: "O que blogs e televisão não podem fazer é gritar ?fogo? no cinema cheio de gente. Você estaria provocando uma tragédia. É inconcebível censurar blogs, é um atentado à liberdade de expressão. E a liberdade de expressão não é apenas importante para a democracia. Ela é a democracia." MELO: "Só não se pode trabalhar com difamação, inverdades. Os blogs são um caso típico de tecnologia nova que as instituições não conseguiram assimilar." NANICOS NA TV SOTERO: "O Brasil precisa de uma lei para a fragmentação partidária. Isso nós resolvemos no Congresso. Eles devem decidir. Pessoalmente, eu gostaria de ver menos fragmentação partidária." MELO: "O Judiciário estabeleceu ?na marra? regulamentações eleitorais, como a fidelidade partidária. O sistema partidário brasileiro precisa de um rearranjo." CHAPARRO: "Não podemos ser pessimistas. Não podemos esquecer de como era quando tínhamos dois partidos. No entanto, tudo tem de ser posto em discussão."