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Estudos revelam força e vícios dos partidos brasileiros

Retrato da arena política desfaz simplificações e expõe mecanismos de controle e coordenação eleitoral

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Por Daniel Jelin
Atualização:

A desilusão do senador Pedro Simon (PMDB-RS) com os rumos de seu partido é tamanha que é assim que ele encerra a entrevista ao Estadao.com.br: "Eu aceito os pêsames". Veterano de Senado e de PMDB - que, com saudosismo, ainda chama MDB -, Simon não tem esperança de que os seguidos escândalos que atingiram a cúpula possam surtir algum efeito renovador sobre a legenda. "É um crime o que fizeram com o partido", diz. E por que não muda de legenda? "Eu não tenho para onde ir", suspira.

 

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O estudante Juliano Torres também não tinha para onde ir quando decidiu ingressar na política. Por isso decidiu fundar o Libertários, ou Líber, que hoje preside. O partido nasceu no Orkut, e a proposta - Torres admite - é radical: ultraliberalismo. Torres se define como um anarquista de mercado e, ironicamente, como siglas nanicas na ponta oposta do espectro político, é contra quase tudo isso que está aí: das agências reguladores ao Banco Central; do voto obrigatório ao Bolsa-Família; da Petrobras à Esplanada dos Ministérios. O Líber é pelo Estado mínimo - ou Estado nenhum. Alguns membros do Líber já tinham passagem pelo DEM, mas a maioria não admite engrossar as fileiras de outras legendas. "O modelo dos partidos é muito centralizado", diz.

 

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Em tese, tanto Simon como Torres têm sim para onde ir: são 27 partidos em atividade, desde o PMDB, com mais de 2 milhões de filiados, ao PCO, com pouco mais de 3 mil. Essa fragmentação partidária já assombrou a ciência política. Tida como excessiva, era vista como um desafio à governabilidade, se não ao bom senso. Mas o que o veterano senador e o aspirante a líder partidário intuem é que essa fragmentação, para muitos efeitos, é apenas aparente: se pensar que apenas 2 ou 3 partidos vão disputar a Presidência em 2010; que só uns 3 ou 4 terão alguma chance em seu Estado; e que se sabe muito pouco sobre a maneira como as cúpulas partidárias decidem o que fazer; bem, aí talvez seja caso de concordar com o cientista político Fernando Henrique Eduardo Guarnieri: "É um leque estreito de opções".

 

Guarnieri convida ao seguinte raciocínio: "Se pensar bem, a gente vota para presidente, governador, prefeitos... Mas os partidos é que escolhem quem a gente pode escolher. Eles têm o monopólio da oferta das candidaturas. Se a gente não tem nenhuma influência sobre como os partidos decidem, aí você vai ter sete grupos decidindo em quem a gente pode votar." Na semana passada ele defendeu sua tese de doutorado "A Força dos 'Partidos Fracos'". Focou justamente a tomada de decisões dentro de cada sigla e os reflexos nas estratégias eleitorais. Por aí, desfaz uma premissa da ciência política segundo a qual as lideranças partidárias são fracas, não controlam seus membros, não impõem disciplina. "As lideranças têm instrumentos institucionais que permitem a elas controlar o comportamento do partido e, mais do que isso, as estratégias eleitorais."

 

O pesquisador foi atrás destes instrumentos de controle partidário e chamou a atenção para um deles em particular: a comissão provisória. Trata-se de uma representação nomeada de cima para baixo em substituição aos diretórios. É a inversão da lógica partidária: em vez de as bases escolherem seus dirigentes, são os dirigentes que escolhem suas bases.

 

 

Conforme a tese de Guarnieri, quanto mais o partido é estruturado em comissões provisórias, maior é o controle da liderança. Ele calculou a proporção entre diretórios e comissões provisórias e classificou as sete grandes legendas brasileiros em três categorias da literatura política: monocráticos, oligárquicos ou poliárquicos. Conforme as suas contas, o PTB está presente em 2550 municípios, mas são só 249 os diretórios. O restante, cerca de 90%, são comissões provisórias. É um exemplo de partido monocrático, em que a coalização dominante tem o controle quase total da vida partidária.

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O presidente do PTB, o ex-deputado federal Roberto Jefferson, refuta a tese de Guarnieri e credita o baixo número de diretórios a uma fase de transição, que se seguiu à incorporação do PAN em 2006. Mas Guarnieri vê aí um pretexto. "O que acontece no PTB é que às vésperas das convenções partidárias os diretórios são dissolvidos e são instauradas comissões provisórias", afirma, lembrando evento similar em 2003, quando da incorporação do PSD. "E mesmo quando os diretórios não são dissolvidos a Comissão Executiva Nacional edita resoluções que os submetem à sua aprovação, como ocorreu em 1996 e em 2001."

 

Na categoria intermediária, das siglas oligárquicos, estão o PP, o PDT e o DEM, com, respectivamente, 57%, 58% e 65% de comissões provisórias em nível local. Presidente do PP, o senador Francisco Dornelles (RJ) faz críticas à instituição da comissão provisória.  "Deveria ter uma validade de 6 meses, prorrogável por mais 6 meses. No momento em que ela não teve capacidade de organizar o partido, deveria ser extinta", propõe. "Tem comissão provisória que tem 10 anos, 15 anos", diz. O secretário-geral do PSDB, o deputado federal Rodrigo de Castro (MG), faz coro. "As cúpulas acabam ficando donas do partido", diz, creditando o fenômeno das comissões provisórias a partidos médios e menores.

 

O PSDB de Castro tem 33% de sua representação local estruturada comissões provisórias, nas contas de Guarnieri. Forma com PMDB (29%) e PT (19%) o grupo de partidos mais organizados em diretórios, de que resulta maior divisão na cúpula. São as poliarquias, em que a direção tem que negociar para impor a sua vontade. E às vezes não impõe, como sabe o PMDB. O senador Simon exemplifica com uma acusação: "O PMDB não tem condição de agir. Quem é que manda no Rio Grande do Norte? O líder da Câmara (deputado Henrique Eduardo Alves) faz o que quer e o que não quer. Quem é que manda na Bahia? É o Geddel (Vieira Lima, ministro da Integração). São pessoas que têm cargo, vantagens, distribuem uma série de coisas no sentido de manter suas estruturas."

 

Mesmo para os casos em que há disputa entre líderes, há mecanismos adicionais de controle. Guarnieri cita a gestão do Fundo Partidário e a indicação de cargos no governo. E existe sempre a possibilidade de mudar as regras. "Em 2001, o PT adotou o processo de eleições diretas dentro do partido, sem dar peso específico para as regiões", conta Guarnieri. "Como resultado, a força de um Estado como São Paulo, que tem um número muito maior de filiados (25,3%), acaba pesando mais, facilitando a vida do grupo majoritário, que é baseado em São Paulo." Para o presidente do PT, o deputado federal Ricardo Berzoini (SP), não se trata de mudança de regras. "A proporção de filiados do PT em São Paulo não é muito diferente da proporção do eleitoral de São Paulo no plano nacional", diz. "É uma reprodução do que é a distribuição da população brasileira."

 

A alta proporção de comissões provisórias sinaliza que as cúpulas partidárias não apenas têm força. Têm muita força. "Os partidos definem suas próprias regras e muitas vezes não fica claro para o cidadão como isso é feito", diz. Por aí o cientista aponta o risco de propostas de reforma política a título de fortalecer as legendas: "vai fazer dos partidos verdadeiros currais", opina.

 

ESTRATÉGIA ELEITORAL

 

Para o bem, para o mal, uma consequência do controle partidário é a coordenação eleitoral, pela qual uma sigla decide lançar ou não candidato próprio nas eleições majoritárias. E uma consequência do coordenação eleitoral é a redução de partidos nas disputas majoritárias, por conta de seu alto custo político e financeiro. Este é o mecanismo descrito pela única lei das ciências políticas, a Lei de Duverger. Exemplificando: se só dois candidatos passam para o segundo turno, os eleitores são tentados a escolher entre os três mais viáveis; se a eleição se dá em um único turno, a opção fica entre os dois mais viáveis. É o chamado voto útil ou estratégico.

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As lideranças partidárias conhecem esse efeito e o antecipam, diz Guarnieri, daí porque o leque de opções se estreita. É em vista disso que a direção de um partido, em geral mais moderada que suas bases, calcula que há mais ganho político no apoio a um candidato viável de outra legenda que no lançamento um quadro inexpressivo de suas próprias fileiras - não raro para desespero das bases, que costumam calcular exatamente o inverso: mesmo uma derrota em eleição majoritária pode ajudar a projetar nomes locais e aumentar seu capital político para disputas futuras.

 

Guarnieri analisou 11.008 eleições em turno único, para prefeitos de cidades menores de 200 mil habitantes; 135 disputas em dois turnos, para governador; e as 5 eleições para presidente. Nas cidades, 85% das disputas tiveram um, dois ou três candidatos e a análise da votação mostrou que na maior parte das eleições os eleitores concentraram seus votos nos candidatos mais viáveis. Nos Estados, a média de candidaturas ficou entre 6 e 7, mas em 86% dos casos os votos se concentraram em três ou menos candidatos e em 47% nem houve segundo turno. Para presidente, a evolução se deu assim: em 1989, primeira eleição desde o fim da ditadura, os sete grandes partidos lançaram candidato. Na eleição seguinte, o número caiu para 5. Foi a 2 em 1998 e 2002 e subiu a 3 em 2006. A conclusão: há tanto coordenação eleitoral por parte das legendas, como voto estratégico por parte dos eleitores. "Então, pela ótica das candidaturas viáveis, o Brasil não tem tantos partidos. Está tudo muito estruturado em dois, três partidos", diz Guarnieri.

 

 

DOIS, TRÊS PARTIDOS

 

São bem os três partidos mais estruturados em diretórios que participam mais sistematicamente das disputas majoritárias: PMDB, PSDB e PT. Destes, como se sabe, são os últimos dois que protagonizaram as disputas presidenciais pós 89. E devem continuar protagonizando, conforme o cientista político Rafael de Paula Santos Cortez, também recém-diplomado doutor pela USP com a tese "Eleições Majoritárias e Entrada Estratégica no sistema partidário-eleitoral brasileiro". O momento chave para entender a polarização PT versus PSDB é a eleição de 1994, que levou Fernando Henrique Cardoso (PSDB) à presidência. Para entender 94, Cortez chama a atenção para os resultados de 1989, que deram vitória a Fernando Collor (PRN). Naquele ano, quase todas as siglas lançaram candidatos, mas a votação de quase todos foi regionalizada: suas forças, quando havia alguma, limitava-se a redutos. "Só dois partidos tiveram votação nacionalizada: PT, com Lula, e PRN, com Collor, ou seja, os dois que passaram para o segundo turno", diz Cortez. "Minha leitura é que para uma candidatura se tornar forte ela precisa ser nacionalizada."

 

Foi esta a tarefa que ficou para 94: PT e PSDB investiram em palanques nos Estados que dessem força e consistência à polarização nacional. "Eles se escolheram como inimigos", diz Cortez. É sintomática a reunião a portas fechadas que Lula e Fernando Henrique Cardoso tiveram no início daquele ano, quando o candidato petista ouviu do tucano que "o importante é que a gente não fique se agredindo durante o primeiro turno para marcharmos juntos no segundo", conforme reportagem da revista Veja, publicada após a vitória do tucano. Mas as estratégias tucana e petista de nacionalização foram bem diferentes. Enquanto o PT procurou o apoio apenas dos partidos que integravam a coalização nacional, em particular o PSB, o PSDB ampliou o leque e chegou a apoiar nada menos que sete candidatos do PMDB - que, vale lembrar, também estava na disputa presidencial, com Orestes Quércia. "Neste momento, a clivagem PT/PSDB estava definida e foi se auto-reforçando nas eleições posteriores."

 

O fracasso de Quércia - que ficou em quarto, atrás da novidade Enéas - é exemplar da inviabilidade de uma candidatura regionalizada, por um partido dividido. Quércia mal conseguiu o apoio dos candidatos a governador de seu próprio partido, encantados com a ascensão meteórica de FHC nas pesquisas. A partir de então, "o PMDB acaba optando por uma estratégia de ser o fiel da balança", diz Cortez. "E é esse o seu poder de barganha", diz Cortez.

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A lógica da nacionalização das campanhas explica também o ensaio da candidatura de Ciro Gomes a governador de São Paulo, segundo Cortez. "As pesquisas mostram que possíveis candidatos petistas têm desempenho pífios ou, na melhor das hipóteses, razoáveis", diz Cortez. "Uma alternativa é lançar a candidatura Ciro Gomes, ligada ao campo governista, para fazer frente à possível candidatura de Geraldo Alckmin. Isso passa pela estratégia de nacionalização: é preciso que você combata o inimigo, especialmente nos Estados importantes." Nem sempre é fácil subordinar a lógica dos Estados ao interesse maior de disputar a presidência. "É aquela história: 'aliança boa é no outro Estado'", afirma o petista Berzoini, avisando que, em favor de Dilma Rousseff, o partido vai tentar "ao máximo" compor alianças, inclusive envolvendo vagas para o Senado.

 

A DIVISÃO DO TRABALHO

 

 

 

O alto custo das disputas majoritárias ensina as cúpulas partidárias a evitar o lançamento de candidaturas inviáveis. Surge uma espécie de divisão do trabalho no sistema político, segundo Cortez: PT, PSDB e PMDB serão os atores principais das disputas majoritárias; DEM, PSB e PDT vão se especializar nos Estados em que têm mais tradição; e PTB, PP e PR vão deixando de lançar candidatos em função de acordos envolvendo a coligação para as eleições proporcionais.

 

Os presidentes do PP e PTB não aceitam para seus partidos o papel de acessório. Mas o senador Dornelles reconhece um obstáculo, e o ex-deputado Jefferson, um erro. Para o presidente do PP, que só perde do PMDB em número de filiados, o constrangimento às ambições executivas do partido são as bases enfraquecidas em São Paulo e Minas Gerais. Para o presidente do PTB, o "grave erro" foi lucrar em 2003 com o troca-troca partidário que se seguiu à primeira eleição de Lula, quando sua bancada federal saltou de 26 para 55 deputados. "Tivemos um crescimento da cabeça para os pés", diz. "Ficamos com a canela de vidro, no primeiro buraco que pisamos, quebramos a perna", diz. Para 2010, Dornelles e Jefferson afirmam que seus partidos disputarão mais governos de Estado, além de vagas no Senado.

 

Não é tarefa fácil, lembra Cortez. Salvo grandes novidades, cada eleição tende a reforçar os papéis dos partido. Cortez mostra que entre 1990 e 2006 o total de votos somados de PT, PSDB e PMDB nas eleições para governador cresceu de 44% para 77%. Daí também porque Cortez acredita que a dualidade PT/PSDB deve ser reforçada em 2010. "É uma polarização de estratégia. Não tem nenhum caráter ideológico", diz o pesquisador.

 

Assim como Guarnieri, Cortez também relativiza a fragmentação do sistema partidário brasileiro. "Esse foi um problema que incomodou boa parte da ciência política brasileira, sobretudo no início do processo de redemocratização", diz. "Havia o fantasma de que um sistema presidencialista combinado com multipartidarismo iria dificultar a chamada governabilidade e a tomada de decisões." Não foi o que se viu. Por um lado, os pesquisadores apontam que são poucos os partidos que jogam nas principais arenas políticas. Por outro, anota Cortez, a experiência mostra que os partidos pequenos também querem participar do governo.

 

OXIGENAÇÃO

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Se o leque político é ainda mais estreito e rígido do que se supõe, como oxigenar a arena política? Para Guarnieri, muito do que se discute a título de reforma está fora de foco. É o caso da proposta de lista fechada para as eleições proporcionais, em que o eleitor vota na legenda, não no candidato. "É um poder tremendo na mão da liderança partidária e não resolve", diz. "A política interna partidária já não é transparente. Se você fortalece mais ainda liderança, está fechando a possibilidade de intervir." Para Cortez, o processo de oxigenação é necessariamente longo e deve ser feito da base ao topo. "É uma disputa difícil que tende a reforçar antigas lideranças", explica. "Há um desgaste da classe política na opinião pública, mas esse desgaste não se reverta no sistema partidário eleitoral", aponta.

 

É o que desespera o senador Simon. "Por que as bases do PMDB não se revoltam?", pergunta. "Porque essas pessoas estão com o comando!", ele mesmo responde, citando lideranças na Câmara (Michel Temer, presidente da Casa; Henrique Eduardo Alves, líder da bancada), no Senado (José Sarney, presidente da Casa; Renan Calheiros, líder do partido) e no governo (Geddel Vieira Lima, ministro da Integração; Edison Lobão, Minas e Energia). "Vê o meu exemplo e o do Jarbas Vasconcelos (senador por Pernambuco). São pessoas que estão isoladas, não podem nem abrir a boca." Sobre o seu futuro, é lacônico: "Eu estou indo para casa."

 

Enquanto isso, o anarco-capitalista Juliano Torres faz planos. 2010 está fora deles porque não acredita que o partido consiga formalizar a tempo seu registro no Tribunal Superior Eleitoral. O foco são as eleições municipais de 2012. E é só o começo. "Creio que em uns oito anos será possível disputar as eleições principais."