Mesmo parado desde o início de março no Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento que decidirá o futuro das pesquisas com células-tronco embrionárias no país ganhou novo capítulo nesta quinta-feira, com o apoio declarado pelo Conselho Nacional de Saúde. Dos 39 conselheiros que participaram da decisão, 38 manifestaram-se favoravelmente às pesquisas. O único voto contrário foi o da médica Zilda Arns, que representa a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no órgão. A decisão do CNS vai ser encaminhada agora ao STF. Será mais um elemento sob análise dos integrantes da corte, quando retomarem o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida em 2005 pelo então procurador-geral da República Claudio Fonteles, contra as pesquisas com embriões humanos. O julgamento está parado desde o dia 5 de março, quando o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vistas do processo após manifestações favoráveis às pesquisas pela presidente do STF, Ellen Gracie, e pelo relator da matéria, Carlos Ayres Britto. Não há data prevista para que o julgamento seja retomado. Fonteles baseia sua ação no argumento de que a vida humana começa no momento da fecundação e, por isso, o artigo 5o da Lei de Biossegurança, que regulamenta as pesquisas com embriões humanos, viola a Constituição. "Esse artigo bate de frente com dois artigos expressos da Constituição. O primeiro é o princípio da dignidade da pessoa humana", afirmou o ex-procurador, membro leigo da católica Ordem de São Francisco, em entrevista à Reuters. "Aí vem o artigo 5o da Constituição, que diz que, para que a vida humana seja digna, há que se zelar por um princípio fundamental: a inviolabilidade dela. Não pode haver morte." Por outro lado, pesquisadores favoráveis às pesquisas apontam a falta de consenso dentro da comunidade científica sobre o momento do início da vida e afirmam que o país pode perder o bonde da história, caso os estudos com células-tronco sejam proibidos. "Isso daí (em que momento começa a vida humana) eu acho que não é a discussão. Isso não é o argumento para ser a favor ou contra as (pesquisas com) células-tronco", disse a bióloga e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. "Se nós aqui no Brasil não desenvolvermos (pesquisas com células-tronco embrionárias), nós vamos comprar um pacote fechado feito por americano, ou por francês ou por alemão, ou inglês", disse. "O Brasil tem a competência de fazer esses estudos dentro da ética." O Artigo 5o da Lei de Biossegurança prevê que somente poderão ser usadas nas pesquisas embriões humanos congelados há mais de três anos em clínicas de fertilização in vitro e desde que exista a autorização por escrito dos pais, que, nesse caso, os cientistas preferem chamar de genitores. "Quanto mais tempo o embrião fica congelado, diminui a chance de essa fertilização dar certo, só isso. O que se viu é que com três anos (de congelamento) a chance é muito pequena de, se implantado, esse embrião se desenvolver num feto com sucesso", disse a vice-presidente da SBPC. O ex-procurador Fonteles discorda. "Nos Estados Unidos há embrião congelado por mais de 13 anos, que vive hoje conosco", disse, acrescentando que existem casos similares no Brasil. E quanto ao grande número de embriões congelados em clínicas de fertilização in vitro que provavelmente jamais serão aproveitados caso as pesquisas sejam proibidas? "Por que o Ministério da Saúde não faz uma campanha nacional de adoção de embriões?", replicou o ex-procurador. "Isso é muito mais bonito para uma mulher que não pode, pelo seu próprio sistema gerar, adotar um embriãozinho, porque aí essa mulher vai ter uma experiência maravilhosa de viver uma gravidez e de amamentar", afirmou. ESTADO LAICO O padre Rafael Solano, doutor em Teologia Moral e em Bioética e porta-voz da CNBB em questões de Bioética se coloca "cem por cento" contra a reprodução assistida, argumentando que se trata de uma "manipulação da vida humana" e, por isso, tem outra visão sobre o que deve ser feito com os embriões atualmente congelados. "Humanamente já se cometeu o erro, o erro já está feito. São seres humanos manipulados. Se falamos de dignidade da pessoa humana, de respeito, permitamos que esses embriões --pessoas humanas-- possam morrer dignamente através de uma morte natural." Para muitos cientistas, no entanto, a posição da Igreja fere o caráter laico do Estado brasileiro. O professor da Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto, Julio Cesar Voltarelli diz que "não tem nenhum sentido a Igreja Católica querer impor a sua visão de que a vida começa no zigoto". O padre Solano, no entanto, argumenta que a Igreja Católica não está impondo ao Estado brasileiro uma situação. "A Igreja Católica está falando, porque tem o direito de falar, como qualquer ser humano, como qualquer instituição." Por fim, em meio a tão acalorado debate, o que cada um espera do julgamento no STF? "Somente espero uma coisa essencial: prudência. A prudência faz verdadeiros sábios", disse o padre Solano. "Sem prudência, a coisa vai dar sérios problemas não só para o Brasil, para a humanidade." Já Nader, da SBPC, torce pela permissão à continuidade das pesquisas. "É isso que nós estamos pedindo, poder continuar caminhando. Nós temos que ter certeza como essas células vão funcionar."