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Estoque da dívida de Estados com União reproduz financiamentos impagáveis

Levantamento feito para o ‘Estado’ mostra que, se o índice de correção aplicado fosse a Selic e não o IGP-DI, o acréscimo neste ano cairia de R$56 bi para R$30 bi; alteração é complexa e depende de mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal

Por Lu Aiko Otta e Renato Andrade/ BRASÍLIA
Atualização:

Os Estados desembolsarão este ano R$ 34 bilhões para pagar a dívida que têm junto ao governo federal. Ainda assim, o estoque devido aumentará em R$ 22 bilhões. A situação dos governadores é a mesma das famílias que assinaram contratos de financiamento habitacional nos anos 1980 e 1990: pagam, pagam, e a dívida só faz crescer. Pior: ao final do contrato, eles ainda terão um resíduo enorme para quitar.

 

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Tal como os financiamentos habitacionais difíceis de pagar, os contratos de refinanciamento da dívida dos Estados pelo Tesouro Nacional foram assinados a partir de meados dos anos 90.

O governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pretende capitanear um movimento para convencer a equipe econômica da presidente eleita Dilma Rousseff (PT) a mudar o índice de inflação que corrige o saldo devedor.

 

O governo federal resiste à ideia, porque colocá-la em prática não é simples. Para fazer a troca, o governo teria que modificar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), considerada até mesmo por petistas como importante marco da organização das finanças públicas e peça fundamental da estabilidade econômica.

Índice. Os contratos firmados a partir de 1996 preveem que o saldo das dívidas renegociadas deve ser reajustado anualmente pela variação do IGP-DI, acrescido de 6% de juros.

 

O problema é que esse índice de inflação é extremamente afetado por variações na taxa de câmbio e no preço das commodities no mercado internacional, segundo explica o economista Geraldo Biasoto Junior, diretor executivo da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap) do governo paulista e professor da Universidade de Campinas (Unicamp).

Este ano, por exemplo, o IGP-DI deve registrar uma alta de 11,02%. Considerando que o estoque das dívidas estava em R$ 316,4 bilhões no final de 2009, os Estados devedores terão um aumento de R$ 56 bilhões.

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Pelos cálculos de Biasoto, feitos a pedido do Estado, se a dívida fosse corrigida pela taxa de juros básica (a Selic), a conta deste ano ficaria muito menor: R$ 30,8 bilhões.

"A distorção embutida nos fatores de reajuste do principal e do custo da dívida é evidente", diz o economista ligado a políticos do PSDB.

 

Alternativa. A utilização do IPCA, índice que baliza o sistema de metas de inflação, é uma das saídas apontadas por Biasoto para diminuir o problema.

"Uma alternativa razoável seria negociar a troca do indexador daqui para frente, passando ao IPCA, que é mais estável, mais aderente à Selic e menos colado ao câmbio e aos preços internacionais", argumenta o professor da Unicamp.

 

Se os contratos previssem o uso do IPCA, o estoque da dívida acumulada de 1998 até o final de 2009 estaria 24% menor. "Seriam nada menos que R$ 74,4bilhões a menos, num estoque de R$ 316,4 bilhões", explica Biasoto.

Tomando um período de tempo diferente, o Tesouro Nacional chega a outra conclusão.

 

Entre dezembro de 1996 e junho de 2010, a variação da taxa Selic foi de 939,9%. Em comparação, o IGP-DI acrescido de 6% ao ano somaria 700,12% no mesmo período. Olhando por esse ângulo, a operação foi vantajosa para os governadores. Essa diferença entre taxas de juros é paga pelos contribuintes brasileiros. É o que os técnicos chamam de "subsídio implícito" da União para os Estados.

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Inaceitável. A mudança nos contratos da dívida e, por tabela, na Lei de Responsabilidade Fiscal, encontra bastante resistência entre economistas e analistas. "Isso daria direito a outros Estados, que não abusaram da dívida, de reivindicar outra coisa. A gente não pode titubear", afirma Amir Khair, consultor da área de finanças públicas.

 

Ele insiste que poucos Estados - como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - têm problemas mais sérios em relação aos débitos renegociados.

Geraldo Biasoto, entretanto, acha que é inaceitável travar a capacidade de investimento dos Estados, enquanto o governo federal amplia o volume de recursos para instituições oficiais de crédito como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

 

Entre dezembro de 2008 e setembro de 2010, o crédito repassado para essas instituições subiu de um valor equivalente a 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) para 7,4%.

"Hoje significam R$ 254,5 bilhões, ou seja, em apenas dois anos representam 75% do estoque de dívida dos Estados."

 

 

PARA LEMBRAR

União impediu risco de calote nos anos 90

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Embora hoje reclamem das condições da dívida, os Estados e grandes municípios foram salvos pela União nos anos 1990. Governadores e prefeitos se endividavam no mercado, emitindo títulos. Porém, pagavam nas operações juros cada vez mais elevados. Havia risco de calote.

Essa situação difícil foi criada pela queda da inflação após o Plano Real. Até então, todo o setor público gastava descontroladamente e esperava a inflação corroer o valor de suas dívidas.

Na megaoperação de socorro, o Tesouro assumiu as dívidas. Os Estados passaram a dever à União. Essa dívida ficou mais barata. Em vez de taxas de mercado, passou a ser corrigida pela inflação medida pelo IGP-DI mais taxa de 6% a 9% ao ano. A prestação não podia passar de 13% da receita dos Estados. Em troca, tiveram de fazer duro controle de gastos.

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