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''Estamos no Bolsa-Família 2.0''

Economista defende efeito do benefício contra desigualdade e diz que seu aumento pode compensar contração do crédito

Por Wilson Tosta
Atualização:

O economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), afirma que a expansão do Bolsa-Família anunciada esta semana pelo governo federal poderá ajudar no combate à crise econômica entre os mais pobres. Para ele, ao expandir a distribuição de dinheiro em setores em que é mais alta a propensão para gastá-lo, a iniciativa, além de combater a pobreza, estimulará a economia, compensando em parte a redução do crédito. "Essa é uma medida adequada", diz ele, por e-mail, de Washington. Néri destaca o efeito "direto e potente" do programa sobre a redução da desigualdade no País, mas reconhece que, nas pesquisas sobre o Bolsa-Família, a hipótese de que gere acomodação nos beneficiários não foi afastada. Expandir o Bolsa-Família é uma escolha correta? O que se pode dizer é que não existe programa de transferência de renda no Brasil mais bem focalizado que o Bolsa-Família e seus antecessores. Por exemplo, cada real gasto no Bolsa-Família tem 2,5 vezes mais chances de chegar ao pobre que cada real gasto com o reajuste do salário mínimo na Previdência. Além disso, agora o mundo está keynesiano, no sentido de que a falta de demanda agregada é o que tem de ser combatido. Essa opção implica não só combater a pobreza, mas destinar recursos para onde a propensão de gastar o dinheiro é mais alta. Ainda tem um bônus, você injeta moeda onde ela é mais escassa, gerando um efeito lubrificador na demanda, que compensa em parte o efeito da contração de crédito. Foi correto o critério adotado, aumentar em R$ 17 o teto de renda per capita dos possíveis beneficiários? Você está incluindo os mais pobres que não estavam no programa. Esses R$ 17 reais a mais levam os valores do critério muito próximos da nossa linha de miséria calculada pela FGV há anos (exceto que a nossa varia pelo custo de vida entre regiões R$ 142 em São Paulo, mas R$ 134 na média no Brasil). Logo, eu não poderia ser contra esse número cabalístico. Não seria mais correto investir o dinheiro em ajudar quem já está no programa a não precisar mais dele? O menor custo hoje para aliviar totalmente a pobreza no Brasil é de R$ 21,3 bilhões no ano. Isso é quanto custaria para completar a renda de cada brasileiro até a linha de R$ 134 reais/mês. Agora, transferências de renda têm forte efeito no curto prazo, é preciso de ações estruturais que aumentem a capacidade dos pobres gerarem sua própria renda a prazo mais longo. Mas talvez o que se queira agora seja um efeito de curto prazo em época de crise. O Bolsa-Família não pode estimular a acomodação? O programa pode levar à acomodação. Alguns estudos anteriores rejeitaram esse efeito no Brasil e no México. Nos nossos últimos estudos, estamos achando efeitos desse tipo. Ainda é prematuro afirmar, mas nós não conseguimos rejeitar a hipótese de que que há efeito-preguiça derivado do Bolsa-Família. Nossos resultados quantitativos estão em linha com relatos que escuto da população mais sofrida. Por exemplo, "se eu conseguir um emprego formal, eu sou excluído do programa, então eu não busco emprego formal". Isso preocupa e precisamos de desenho mais arrojado para combater essa e outras limitações. Quais são os efeitos do Bolsa-Família na redução da desigualdade? No que tange a redução da desigualdade de renda o efeito é direto e potente. Cerca de 40% da inédita queda da desigualdade ocorrida a partir de 2001 se dá pelo efeito Bolsa-Família. Há impactos positivos sobre os beneficiários do programa, como aumento da matrícula de 3 pontos de porcentagem e na frequência escolar. Agora a extensão recente das condicionalidades educacionais até a faixa de 17 anos é promissora, pois só 74,5% destes estão na escola. Se o programa tem resultados benéficos, a que atribuir as reações contrárias, a grita contra ele e contra sua ampliação? Há uma grita interna, mas de natureza diferente daquela que houve contra os programas Fome Zero ou Primeiro Emprego, do qual participei desde a primeira hora. Esses programas caíram pois eram mal desenhados. Já o Bolsa-Familia foi criticado por alguns desde seu nascimento, mas hoje ainda não só se expande no Brasil, como em outras partes, inclusive nações desenvolvidas, vide o programa em Nova York. O programa nasceu forte e vai evoluindo ao longo do tempo. Estamos já no Bolsa-Família 2.0.

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