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''Estamos chegando ao fim de um ciclo''

O eleitorado mostrou, no domingo, que o País está entrando numa fase de transição e não se sabe o que vem aí, diz historiadora

Por Gabriel Manzano Filho
Atualização:

Enquanto muita gente se surpreende com resultados das eleições de domingo, a historiadora Maria Aparecida de Aquino, da USP, acha que a surpresa maior é outra: o eleitorado deixou claro que uma era está se acabando e que o Brasil está em plena transição, para algo ainda não definido. "Ocorre algo mais amplo na cabeça do eleitor. O Brasil está vivendo uma transição, sem dúvida". Para ela, "estamos chegando ao fim de um ciclo de 40 anos. As antigas bandeiras se esgotaram". Nesta entrevista ao Estado, a professora, que se especializou em estudar a censura e o Estado autoritário, adverte: "A democracia que era possível, como a imaginaram lá atrás, foi atingida. Ela está aí, com seus avanços e com os vícios, as velhas diferenças sociais. Mas vem algo novo por aí." As eleições de domingo trouxeram resultados surpreendentes, como os de São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. O que aconteceu? Os eleitores impuseram, aos políticos e a institutos de pesquisa, um quadro novo. Vejo faróis de alerta piscando por todos os lados. A opinião real dos cidadãos é outra. A tal "opinião generalizada" não existia. E o que é que existia? Algo que não vale mais. Creio que estamos vendo o fim de uma era, e o eleitor deu seu aviso de que o que era tradicional não está mais valendo. Acho que um Brasil novo está aparecendo, ou vai começar a aparecer daqui por diante. Pode explicar melhor? Vamos começar lá de trás. Acho que as bandeiras até agora conhecidas começam a se esgotar. Estamos às vésperas de um novo cenário político e isso pode ser visto nas alianças que vêm por aí, para o segundo turno. São parcerias antes impensáveis e hoje mostradas como se fossem normais. Mas isso não é comum em épocas eleitorais? Principalmente com os partidos cada vez mais fracos? É mais que isso. Hoje tem gente, por exemplo, do PC do B negociando numa boa com o DEM. Temos balaios de alianças juntando de tudo um pouco, numa escala inédita. O que é hoje o DEM, o PSDB, todos os partidos, quais os seus limites? Acho que há uma sensação de que o que importa não é nada disso. Uma etapa se esgotou. Num momento assim, vale tudo pois ninguém sabe o que virá. O que é essa nova etapa? O que era a velha? Não tenho como dizer o que será a nova etapa, é um refazer que leva tempo. Da velha posso falar. Acredito que um ciclo de 40 anos da história brasileira está terminando. Ele foi feito de duas fases de 20 anos cada uma. A primeira, do regime militar fechado, em que políticos e cidadãos simplesmente sobreviveram. Os militares mandavam e desmandavam. Na segunda etapa, uma geração que lá atrás havia sido tirada do caminho voltou ao poder. Falo da geração de resistentes do MDB, de um tempo para criar partidos e tentar torná-los maduros. É uma geração que teve seu momento e sua chance de fazer história. E o que eles fizeram? Cuidaram de redemocratizar. Fizeram uma Constituição. O País entrou nos trilhos das garantias legais, das liberdades individuais. A democracia que era possível foi feita. Ela está aí, com os avanços e com os vícios, as diferenças sociais. É o que temos. Agora os projetos pós-redemocratização estão cumpridos e a página está sendo virada. Não dá pra dizer o que vem. Só consigo pressentir que estamos, sim, no meio de uma transição. Quem é: Maria Aparecida de Aquino Historiadora, graduada em História pela Universidade de São Paulo (USP). Mestra e doutora em História Social pela USP Tese de doutorado: Caminhos Cruzados: imprensa e Estado autoritário no Brasil Leciona História na Universidade Mackenzie

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