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''Estado'' pede que juiz se declare suspeito no caso

Desembargador que concedeu liminar impondo censura ao jornal tem ligação com a família Sarney

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Por Fausto Macedo
Atualização:

O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira requereu ontem ao desembargador Dácio Vieira, que censurou o jornal O Estado de S. Paulo, que imediatamente se declare suspeito para tomar decisões no processo em que é parte Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A exceção de suspeição foi protocolada às 17h38 na distribuição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, onde atua o desembargador. O advogado pede a Vieira que envie o feito à redistribuição. "A Vossa Excelência impõe-se, como indeclinável encargo, o de jurisdicionar com independência", assevera o advogado do Estado. Na hipótese de Vieira não reconhecer que é suspeito, Affonso Ferreira requer que a exceção seja submetida ao julgamento do TJ, segundo o regimento interno da corte. A assessoria do tribunal informou que o desembargador não iria decidir ontem sobre o pedido de O Estado. Vieira, no dia 30, concedeu liminar a agravo de instrumento contra decisão da 12ª Vara Cível de Brasília em ação inibitória por meio da qual o filho de Sarney pretendia que o Estado fosse proibido de publicar dados relativos a ele. O desembargador impôs ao jornal sanção pecuniária de R$ 150 mil "por cada ato de violação do presente comando judicial". O advogado sustenta que "face às especificidades do recurso e da causa que lhe deu origem (Vieira) é duplamente suspeito, na ótica da amizade que o liga ao autor (Fernando) e à sua família, mas igualmente comprometido porque interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes". CÓDIGO Seu pedido é amparado no artigo 135 do Código de Processo Civil, que define situações de suspeição. ("Íntima diz-se a amizade quando há laços afetivos, notórios ou não, mas verificáveis por fatos de estreita solidariedade, que possam influir no julgamento pela determinação psicológica, consciente ou inconsciente.") O advogado Affonso Ferreira observa que o legislador destacou que a suspeição se dá "pela convivência freqüente, familiaridade no tratamento, prestação repetida de obséquios e outras manifestações de acentuada estima". Ele ressalta que o desembargador, durante "largo período", desde 1º de agosto de 1986, prestou serviços ao Senado, inicialmente na assessoria jurídica do Centro Gráfico (Cegraf), depois passando a titular do cargo de consultor jurídico. Vieira atuou também na Consultoria-Geral da Casa, entre 1990 e 1991, e, por designação especial, foi colocado à disposição da Presidência do Senado. No texto da exceção, Affonso Ferreira anota que, "em contraponto", José Sarney, "em função de seu poderio político e influência nas esferas governamentais", ocupa pela terceira vez a presidência do Senado. O advogado ressalta que Vieira, enquanto funcionário do Senado, exerceu funções "concomitantemente àquelas implementadas por Agaciel Maia, outra das importantes figuras imiscuídas no que é conhecido como o ?escândalo do Senado?". "Tudo isso faz presumir que apontada ?amizade? com o autor (Fernando Sarney) efetivamente existe e é estreita." Affonso Ferreira afirma que o desembargador, "ainda que esse não seja o seu propósito, há de ser entrevisto como interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes". O advogado sustenta que Vieira proibiu o Estado de informar seus leitores sobre acontecimentos que "são de manifesto interesse público e que, nem sequer de raspão, transgridem privacidade alguma". "O juiz melhor é o que oferece maior garantia de imparcialidade." TRECHOS DA PETIÇÃO Ligações "Sendo Vossa Excelência, mercê da carreira funcional pretérita, afetiva e estreitamente ligado ao senador Sarney, pai de Fernando, ainda que involuntariamente passou a ser interessado na vitória judicial do filho demandante. É que o interesse ao qual a lei buscou tolher quando forçou a suspeição pode expressar-se em mero interesse moral, consistente em ?pressão psíquica sobre o juiz? , pressão essa que Vossa Excelência certamente sentiu, diante dos sólidos e antigos laços com o pai, ao despachar o recurso interposto pelo filho, e que assim prosseguirá experimentando caso nele se mantenha." Imparcialidade "Alegada transgressão inocorreu. A não ser que aos agentes do Parlamento se tenha concedido, em ignota e desconhecida passagem da Constituição, a perversa e satânica prerrogativa de, sob o escudo da vida privada e lançando às urtigas a solar visibilidade e a ortodoxa transparência daqueles servidores reclamadas, impunemente escamotearem aquilo que fizeram em benefício pessoal, ou no dos seus parentes e afins, nessa reprovável conduta arrostando, sem mínimo pudor ou elementar constrangimento de consciência, os recursos da coletividade e os valores éticos do Estado Democrático de Direito." Suspeição "A Vossa Excelência impõe-se, como indeclinável encargo, o de jurisdicionar com independência. E assim aqui não poderá atuar, porque suspeito no tocante ao conflito forense do qual participam no processo, ou à margem dele mas sempre contígua e lindeiramente, pessoas às quais esteve ou ainda está ligado, tudo portanto obrigando-o a que, reconhecendo essa achavascada suspeita, decline da jurisdição recebida. Vossa Excelência mantém com o senador Sarney e Agaciel Maia convívio sócio-familiar tanto que não hesitou em se deixar fotografar pelas colunas sociais ao lado de ambos."

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