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Escondidos em SP, com saudades da África

Refugiados do Congo e Mauritânia se salvaram da perseguição política

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Por Redação
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Um veio do Congo há dois anos , o outro foi impedido de voltar à Mauritânia em 1995. Refugiados africanos vivendo a duras penas em São Paulo, Daniel - que não mostra o rosto nem diz o nome completo - e Konaté Djibril são vítimas da perseguição política. O primeiro foi salvo por um padre belga, após ter o nome incluído em uma lista de marcados para morrer, enquanto o segundo não pôde regressar ao seu país, quando este ficou dividido entre o Norte e o Sul, dispersando sua família pelo mundo. Ambos têm saudades e medo. Aos 40 anos, casado com uma refugiada congolesa, Daniel se expressa bem em português. Está feliz porque conseguiu, há um mês, após dois anos, o reconhecimento oficial da condição de refugiado. Quer trabalhar. "O Brasil é um país maravilhoso, recebe a gente muito bem, mas o problema é o emprego. É muito difícil", lamenta. Sua mulher ganha pouco como cabeleireira e eles vivem de favor na casa de um amigo - nada parecido com o futuro que se desenhava no Congo, onde ele cursava faculdade de pedagogia. Daniel conta que, como estudante, participou de protestos contra o governo de seu país, em uma época de "coisas más" para o povo. Acabou incluído em uma lista de estudantes ameaçados, muitos deles efetivamente assassinados, segundo relata. "O governo estava maltratando muito a gente dentro do país. Todo mundo, de toda parte. O estudante queria reivindicar para acabar com isso", conta, com tom ressabiado. Ainda hoje teme ser reconhecido ou perseguido, apesar de viver em uma cidade com 11 milhões de pessoas. Ele foi salvo pela força da Igreja Católica, em um país onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) congelou em 0,39 - quanto mais próximo de 1, mais a nação é desenvolvida. O Brasil tem 0,79 e o Canadá, 0,95. "Daí (o governo) começou a matar gente. Matou muito. A gente estava na lista para execução, quem ajudou foi o padre", diz. Ele ficou escondido na igreja por três meses, ocultou-se em um navio até a capital, Kinshasa, e viajou de carro. Uma fuga de mais de duas semanas até embarcar em um navio de carga. RECEPÇÃO "A gente não sabia aonde ia, nem sabia que aqui era o Brasil", relata. Daniel foi recebido pela Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, no centro da cidade. Teve o primeiro pedido de reconhecimento como refugiado recusado. Hoje, com o documento em mãos, fala com gratidão ao país que o acolheu. Admite, porém, que se espantou com o preconceito contra negros e estrangeiros. "As pessoas ficam com receio, guardam a bolsa. Isso dói." Indagado se tem vontade de retornar ao Congo, ele reage de pronto: "Sabe que deixar o país é muito duro. Tenho vontade de voltar sim." Vai esperar, porém, a volta à normalidade. Do país distante, Daniel relata as boas lembranças , como a família de 2 irmãos e 4 irmãs. Por fim, cita a mais difícil recordação: "É o medo de morrer. Se não tivesse saído do país, não sei se estaria falando com você. Quando fala sobre isso, a gente... (emociona-se) Se não fosse o padre, Deus, não sei o que ia acontecer na minha vida." GRATIDÃO E TRISTEZA Com um olhar triste, Konaté Djibril, aos 45 anos, anseia pela volta à terra natal. Quase sempre fala em tom amargurado. Só sorri quando indagado sobre o Brasil: "A gente tem muito a agradecer. É um país muito solidário, um povo muito bom." Mas completa: "Não dá para negar também que, depois de nascer em um lugar, passar a infância lá, ter suas pessoas queridas, a saudade é muito grande." Refugiado desde 1995, vivendo sozinho, o mauritano diz em português fluente que deixou para trás 3 irmãos e 6 irmãs - vivem hoje na América do Norte, África e Europa. Ele chegou ao Brasil em 1984 e foi estudar estatística na Universidade de São Paulo (USP), com uma bolsa paga por seu governo. "Saí enquanto a situação estava boa", conta. "Depois... houve um problema e não pude voltar mais." "O governo era do pessoal do Norte e havia uma perseguição contra o pessoal do Sul. Muitos parentes meus já tinham ficado presos, alguns morreram. Minha própria família me aconselhou a não voltar", recorda. "Como era do Sul, a Mauritânia cortou a minha bolsa e chegou a negar a documentação." Com dificuldades financeiras, ele não conseguiu concluir os estudos e, para se manter, deu aulas de francês e ajudou pesquisadores. Konaté desabafa que o regresso à Mauritânia, agora, não está nos seus planos. "Eu quero que voltem as eleições para que haja uma concretização da democracia, baseada em fatos reais, para eu poder voltar", alega. Por ora, ele prefere ficar, apesar da saudade e das dificuldades: "Estou levando a vida, com a ajuda dos brasileiros."

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