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Por Dora Kramer
Atualização:

Quando os papéis eram invertidos, os que hoje são governo e os governistas atuais oposição, ambos se davam muito melhor com a imprensa. Governos reclamavam porque são de reclamar e a oposição tinha, nos veículos de comunicação, canais sempre abertos para criticar, atacar e por que não dizer, desancar. Não se via, porém, nem nos governos mais autoritários - e aqui a referência é ao período final do regime militar, quando a imprensa já respirava ares mais puros -, uma reação tão animosa quanto a observada nesses cinco anos de administração petista. José Sarney e Fernando Collor sofreram especialmente críticas duras, uma vigilância permanente e, em determinados momentos, uma marcação cerrada, não raro eivada de exageros resultantes da liberdade recém-conquistada. Na imprensa, Lula, o então líder da oposição, chamava Sarney de "ladrão", que nas palavras de Collor em campanha era um "batedor de carteira da História". Durante a Constituinte, retrataram-se todas as manobras de José Sarney para obter os cinco anos de mandato. Falava-se dele o que bem se entendia, depois de ter posto a pique o Plano Cruzado e levado o País a 80% de inflação ao mês. Era um alvo diário. Assim foi com Fernando Collor a partir do momento - e até o impeachment - em que se descobriu que entregara ao tesoureiro de sua campanha a tarefa de arrecadar propinas a partir da manipulação da máquina do Estado. Itamar Franco, depois de uma trégua pós-posse, era retratado em toda a sua amazônica mediocridade e Fernando Henrique não foi exatamente tratado como o príncipe das marés que, em retrospectiva, o PT alega, esquecido do espaço imenso dado diariamente a todas as suas ações como oposição. Tanto teve o espaço para o ataque, a crítica e por vezes até para alguma maluquice de cunho institucional, que conseguiu marcar posição junto à opinião pública como a grande esperança de mudança, um partido que afinal daria jeito em "tudo o que está aí". A despeito de muitas evidências em contrário que a própria imprensa, em seu afã de incensar um símbolo, ignorou voluntária e docemente. Teriam todos esses governantes uma compreensão mais correta do que seja liberdade de imprensa e democracia do que Lula e o PT? Talvez sim, talvez não, embora o comportamento depois da conquista do poder sustente a suposição afirmativa. Que o PT e Lula se consideram acima do bem e do mal e acreditaram que eleição significa um fim em si mesmo, que uma vez eleito só a homenagem permanente traduz respeito à legitimidade do processo da escolha livre, isso é fato. Mas não custa também examinar uma outra hipótese para esse antagonismo tão acirrado com a imprensa, a ponto de provocar protesto por parte da ONG Repórteres sem Fronteiras, coisa só vista durante o autoritarismo quando era por vezes necessária a intermediação internacional em defesa da liberdade de expressão no País. Essa outra hipótese diz respeito à conduta da oposição. Como ela não se afirma, não faz o seu papel de levantar as questões, de apontar os erros e de denunciar a não ser a reboque do noticiário, o governo então se contrapõe à imprensa, tratando os veículos - o nome já diz, são apenas "veículos" - de comunicação. Não tendo oposição para brigar, dirige seus ataques não a quem de direito, mas a quem exerce o seu dever. Costas quentes Dois anos depois de o funcionário dos Correios Maurício Marinho aparecer diante de todo o País recebendo R$ 3 mil de propina, num flagrante armado pelo lobista Arthur Wascheck, o autor da gravação é preso pela Polícia Federal exatamente por subornar funcionários dos Correios em troca de informações que lhe permitissem fraudar licitações. Muito bem, configura-se, então, sem sombra de dúvida, o caráter de briga de quadrilhas no episódio que serviu de estopim para o escândalo do mensalão. Havia mesmo, fica demonstrado, alguém interessado em expor as falcatruas de Marinho, indicado pelo PTB. Esse alguém, conclusão óbvia, dava cobertura à ação de Wascheck e, conseqüentemente, foi também responsável pelo fato de o lobista-corruptor ter continuado a agir impunemente por mais dois anos. Afinal, até aonde a memória alcança, à época foi feita uma investigação interna nos Correios justamente para detectar a extensão das peripécias de corrupção na empresa, das quais Maurício Marinho era apenas um dos agentes. Gente que faz Marco Aurélio Garcia, diz o próprio, pôs o cargo à disposição do presidente assim que percebeu a repercussão negativa de seu gesto obsceno; as famílias de vítimas do acidente reclamaram diretamente ao presidente dizendo considerar o gesto um "tabefe no povo brasileiro"; a comissão de ética pública, em suas limitações de atuação, o advertiu pela "grosseria". Já faz duas semanas e aqui se aplica o slogan do antigo banco de um ex-senador: o tempo passa, o tempo voa e Marco Aurélio Garcia continua numa boa.

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