Era conectada traz novos desafios à democracia

Debate promovido pela RAPS e O Estado de S. Paulo, no auditório do Interlegis, no Senado, quarta (4), reúne especialistas para jogar luz no aprimoramento das instituições

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Por Fabiano Alcântara
4 min de leitura

Como a sociedade tecnológica pode desenvolver a formação de um ambiente favorável para o aprimoramento da democracia? Para os debatedores do seminário Desafios da Democracia no Brasil: inovação, participação e representação num mundo hiperconectado, isso pode ser feito com informação de qualidade, espírito cívico, incentivo à diversidade e abertura para o diálogo. O debate promovido pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e pelo Estado ocorreu na última quarta-feira, no auditório do Interlegis, no Senado Federal.

Ainda que seja preciso ressaltar que um terço dos brasileiros não utilizam a internet, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), de 2016, o acesso de mais pessoas às redes amplia vozes, elimina distâncias e facilita o contraditório. Com mediação de Eliane Cantanhêde, colunista do Estado, a diretora-executiva da RAPS, Monica Sodré, abriu as discussões falando sobre a importância da diversidade e da convergência de atores do jogo democrático que podem divergir, mas estão imbuídos de uma ‘amizade cívica’.

Evento discutiu o caminho da democracia em um mundo cada vez mais conectado Foto: Ricardo Botelho/Estadão

O deputado Tadeu Alencar (PSB-PE) citou a RAPS como exemplo de aprimoramento da democracia. “É uma instituição que fico feliz de fazer parte. Porque tem essa característica de permitir diálogos para além dos pensamentos dos partidos, de muita gente que diverge. Mas é um espaço onde a gente diverge com muito respeito, com muito espírito público, e com uma pauta central, medular, que é de pensar o fortalecimento da democracia brasileira sob um prisma da sustentabilidade ambiental, social e econômica.”

O cientista político Fernando Guarnieri desmistificou o lugar-comum de que as redes sociais estimulam bolhas e polarizações. Ele citou que 20% das interações no Twitter, plataforma tida como “praça pública global”, são entre pessoas que têm opiniões políticas contrárias. Outro pesquisa mencionada aponta que o acesso às redes sociais não estimula as polarizações.

Citada pelo gerente de políticas públicas do Twitter no Brasil, Fernando Gallo, como exemplo de como a tecnologia pode auxiliar na gestão pública, a cidade espanhola de Jun utiliza a plataforma como ferramenta de gestão. Um cidadão pode marcar o prefeito para avisar sobre uma lâmpada queimada. O prefeito, por sua vez, aciona o responsável pela manutenção. Por fim, o profissional envia a foto do serviço realizado para o cidadão e para o prefeito. Facilita o fato de a cidade ter 3,5 mil habitantes, mas é um laboratório de como a tecnologia pode ser usada de modo benéfico.

Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), que concedeu entrevista transmitida ao vivo pela TV Estadão, antes do evento, fez uma espécie de preâmbulo às discussões que mais tarde ocorreram .

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“A diferença que leva ao debate pode até ser conversada no espaço virtual, o que o (filósofo e sociólogo francês) Pierre Levy chama de ágora virtual. Porque tem a maior possibilidade de governos, governantes e administradores se apresentarem, a tal transparência, porque isso se faz de maneira mais rápida para que o cidadão possa ter pleno conhecimento do que está se passando”, afirmou a ministra.

“Eu acho que os instrumentos são ótimos, necessários, mas a tecnologia a serviço do ser humano. E não o ser humano se submetendo como se fosse uma peça deste instrumento. Como levaram o consumo, passou a se ter uma disputa de quem é que tem um celular melhor, quem é que tem a funcionalidade melhor. Sem se ater do que ele pode te oferecer a exercer a sua capacidade crítica, educado que você foi, para exercer a sua liberdade de criticar. E, portanto, de continuar livre”, completou.

Diante de um cenário movediço e de incertezas, os cientistas políticos não têm tido vida fácil. “Nós temos errado as nossas previsões, não temos conseguido nos antecipar a eventos que vêm numa velocidade muito grande. Mudando vários dos conceitos que estão estabelecidos desde a origem da ciência política. Então, é muito bom ter cada vez mais espaço para lidar com o que está acontecendo e refletir”, afirmou o cientista político Fernando Guarnieri.

“Um grande desafio que a gente tem hoje é mostrar que a democracia ainda é uma das melhores invenções do homem. A democracia é uma invenção. Foi criada em um local específico, em um tempo específico para resolver um certo problema. Na Filadélfia, Estados Unidos, final do século 18, resolveram criar um regime que você não concentrava todo poder em cima de uma figura só. Onde este poder poderia e ser compartilhado com o maior número de atores possível”, contextualizou.

Para ele, a invenção do sistema democrático trouxe diversos benefícios à sociedade e deixou uma marca na história. “Fizeram todo esse desenho que conhecemos. Separação de poderes, eleições, Congresso, a democracia representativa, tudo isso foi uma invenção que saiu da cabeça de algumas pessoas reunidas numa assembleia há mais de 200 anos. Foi um dos momentos mais bonitos da humanidade, possibilitou grandíssimos avanços. Não conseguimos muita coisa a partir daí. Seria uma pena colocarmos em risco estes avanços, por causa de uma compreensão ruim do que está acontecendo”, concluiu Guarnieri.

O grande desafio é tentar, em termos democráticos, dentro destes canais, buscar maneiras de se aperfeiçoar estes mecanismos todos que foram criados para dar conta de um novo mundo que vivemos hoje.

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