Epidemia de dengue e falhas de diagnóstico avançam

Com o crescimento dos casos de dengue, médicos de outras especialidades têm de avaliar doentes

Por Agencia Estado
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Em menos de uma semana, a dona de casa Dalma Santos Ramos, de 51 anos, teve febre alta, dores de cabeça, sangramentos, queda na pressão, vômitos e uma parada cardíaca. Dalma morreu em um hospital particular de um bairro de classe média do Rio (a Tijuca, na zona norte) na madrugada do dia 16, vítima de uma complicação da dengue hemorrágica. Os médicos não tiveram tempo nem de interná-la na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). No dia de sua morte, Dalma tinha ido ao hospital pela manhã, ficou algumas horas no soro e foi mandada para casa. Mais tarde, piorou, começou a vomitar sem parar e voltou ao hospital às 18h30. Ficou algumas horas em uma cadeira de rodas para apenas, um pouco antes de morrer (por volta de 1 hora da manhã), ser transferida para um leito comum. "Foi uma enfermeira que notou que ela precisava ir para a UTI, mas já era tarde. Como a UTI do hospital estava cheia, não deu tempo de transferir", conta Marcílio Novalino Ramos, marido de Dalma. "Eles deveriam ter agido antes." O caso de Dalma não é o único que tem indícios de falhas na avaliação médica sobre a gravidade da doença e a necessidade de internação. Essa fatalidade indica ainda que muitos médicos ainda podem estar despreparados para lidar com essa epidemia de dengue que, até a sexta-feira, matou 24 pessoas no Rio. O próprio presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj), Mário Jorge de Noronha, admite que há necessidade de treinar os médicos. "Há muitos doutores que realmente não têm condições de lidar com casos graves de dengue e, por causa da explosão da doença, estão atendendo pacientes", afirma. "É como em uma guerra em que o cozinheiro vai à linha de frente e, mesmo sem saber usar a arma, é obrigado a atirar. O mesmo está acontecendo com oftalmologistas e otorrinos que estão fazendo o papel de infectologistas." Preocupado com isso, o Cremerj prepara um curso de treinamento sobre dengue para 200 médicos. Além disso, o conselho vai distribuir, na semana que vem, uma cartilha sobre o tratamento da doença para 50 mil médicos. "A culpa não é só deles, mas da explosão de casos e da falta de pessoal para atender tanta gente." O infectologista e diretor do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Amâncio Carvalho, discorda. Mesmo em uma situação de epidemia, diz ele, a comunidade médica (incluindo as secretarias de Saúde) deveria ter elaborado e distribuído um documento com a rotina e os critérios para atender os pacientes graves de dengue. "Essas regras poderiam até compensar a inexperiência dos médicos porque dariam a eles um roteiro a seguir." Carvalho alerta que a falta de experiência somada à pressão da ausência de tempo por causa da grande quantidade de pacientes nas emergências pode estar aumentando o número de mortes. "A dengue pode evoluir para um quadro difícil de ser interpretado. Mesmo um médico bom e experiente pode errar, mas a chance de alguém que não conhece bem a dengue e que está atendendo dezenas de pacientes ao mesmo tempo errar é bem maior." Esse foi o caso do professor de Educação da UFRJ Antonio (ele prefere não se identificar) que, no último dia 17, começou a ter febre alta. Visitou sua médica e ela diagnosticou uma infecção urinária. Nestas últimas duas semanas, Antonio teve quase todos os sintomas da dengue, mas só agora sua médica começa a desconfiar que ele pode ter sido picado pelo Aedes aegypti, o transmissor do vírus da dengue. O professor mora no mesmo bairro que Dalma morava, o Grajaú (zona norte). "Acho que ela (a médica) não quer admitir que errou e resiste em dizer que é dengue mesmo", diz Maira Costa, filha de Antonio. Exame Só esta semana a família de Dalma vai buscar o exame para saber que tipo de vírus da dengue atingiu a dona-de-casa. "O resultado vai chegar um pouco tarde", afirma Monique, uma de suas filhas. Após a morte de Dalma, agentes sanitários descobriram vários focos do mosquito no prédio onde morava a dona de casa. No prédio, também foram registrados outros 30 casos da doença. "Os agentes só vieram aqui depois que tudo aconteceu. Esperaram uma morte para tomar providências", reclama Marcílio.

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