Entre meias-verdades e puras mentiras

Presidente deixa de lado coronavírus e usa coletiva para tentar manter a tropa bolsonarista unida

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Por Eliane Cantanhêde
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro usou a primeira entrevista coletiva sobre a profunda crise do País e do mundo para fazer o que faz melhor: política, autopromoção, com meias verdades em meio a algumas puras mentiras. Enquanto os ministros falavam à população, Bolsonaro dirigia-se à tropa bolsonarista que teme perder.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante entrevista coletiva sobre o coronavírus em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Na questão central, sobre a liderança do chefe de Estado e o exemplo que precisa dar à sociedade, o presidente voltou a fingir que o grande problema de seu contato com manifestantes, no domingo, foi o risco de ele se contaminar. Ostensivamente, ele escapuliu do principal: o risco de contaminar centenas de pessoas, que poderiam ter efeito multiplicador na disseminação do Covid-19.

Além de tergiversar, tirou uma casquinha da pergunta para fazer o mais barato populismo em meio à crise, colocando-se como “um chefe da Nação ao lado do povo brasileiro, na alegria e na tristeza”, aventando até a hipótese de confraternizar com “o povo” num ônibus, num metrô. Se assim for, “o povo” deve seguir as recomendações das autoridades sanitárias e sair correndo.

Ontem, a lista de contaminados da comitiva a Miami subiu para 17, com os ministros Augusto Heleno (GSI) e Bento Albuquerque (Minas e Energia). Pela recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, quem tem contato com contaminados deve se isolar. Bolsonaro fez dois testes, ambos negativos, mas depois deles continuou tendo contato constante com Heleno.

O presidente também classificou manifestações como “expressões da democracia” e aproveitou para convocar duas vezes seus apoiadores para fazer panelaço pró-governo à noite e para praticar seu esporte favorito: atacar e tentar desqualifcar a mídia.

Depois de voltar a negar todas as evidências e dizer que os vídeos de convocação da manifestação do dia 15 divulgados pela colunista Vera Magalhães eram de 2015, o presidente se esqueceu de que tornou a estimular o movimento no sábado, 7/3. Jurou que nunca convocara manifestação nenhuma, assim como jurou que nunca atacou o Congresso. Aliás, enviou mensagens de paz para Legislativo e Judiciário. Deve ter muita gente achando que foi cara-de-pau... Há um fosso entre a realidade e o que o presidente diz.

Na coletiva, ele fez com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que já fizera com o da Justiça, Sérgio Moro: mostrou quem manda. Pôs o diretor substituto da Anvisa, contra almirante Antonio Barras Torres, no meio dos ministros, com direto a ser o segundo a falar depois dele próprio e Paulo Guedes. Mandetta reagiu como Moro: passou sua fala toda _ clara e firme, a melhor da entrevista _ desmanchando-se em reverências ao presidente, a quem chamou de “grande timoneiro”.

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Pois esse “grande timoneiro” reclamou que o brasileiro não tem cultura de prevenção e pediu a todos para seguirem “os preceitos” do Ministério da Saúde. Só que ele próprio nem previu ou preveniu coisa nenhuma, insistindo que o novo coronavírus era “fantasia” e “histeria” da mídia, nem seguiu os “preceitos” das autoridades de saúde ao sair do isolamento e colocar seus apoiadores em risco. É a tal história: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. O presidente continua numa realidade paralela.

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