06 de maio de 2021 | 23h19
BRASÍLIA - O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi a terceira testemunha a ser ouvida pela CPI da Covid no Senado. Em depoimento durante sessão que durou cerca de dez horas, o chefe da pasta esquivou-se quando pressionado a emitir sua opinião a respeito da prescrição da cloroquina, como defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.
Por outro lado, confirmou que o governo inflou o total de doses de vacina contra a covid-19 efetivamente contratadas. Além disso, ele reiterou que as principais alternativas de combate à pandemia são a vacinação em massa e medidas preventivas como uso de máscaras e distanciamento social.
A pressão do presidente Jair Bolsonaro para que o uso de cloroquina para pacientes com a covid-19 norteou os depoimentos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Marcelo Queiroga também foi bastante cobrado sobre o tema.
No entanto, o atual ministro da Saúde driblou as inúmeras perguntas relacionadas ao medicamento. Disse que a questão está em debate na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e poderá ser submetida a sua avaliação definitiva. Portanto, não poderia antecipar uma posição.
"Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que eu gostaria de manter o meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo para quando o protocolo for elaborado", disse.
Queiroga disse que os médicos têm autonomia para receitar tratamentos com base nos conhecimentos que dispõem e que essa autonomia não é ilimitada.
"A autonomia médica tem limite. Está limitada pelo que é comprovado cientificamente e pela legislação", disse. Ele reiterou que hoje ainda não há um protocolo definitivo do Ministério da Saúde acerca do chamado "tratamento precoce".
Marcelo Queiroga confirmou que o total de 560 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 propagandeadas pelo governo é inflado.
Reportagem do Estadão revelou que, em resposta a pedido de informações da Câmara dos Deputados, o ministério diz que apenas parte das doses divulgadas como “compradas” possui contratos fechados. A pasta informou haver contratos fechados para cerca de 280 milhões.
Ao ser questionado sobre qual seria o número real, Queiroga se contradisse. Primeiro, insistiu que o número de doses contratadas era de 560 milhões. Depois de receber informações do secretário-executivo do ministério, Rodrigo Otávio da Cruz, admitiu que o número era menor. E citou a quantidade de 430 milhões de doses.
O ministro declarou que um técnico da pasta errou ao elaborar a resposta oficial enviada à Câmara e que haverá uma apuração interna no ministério para determinar o que ocorreu. A resposta ao Legislativo, em seguida, será “retificada”.
O depoimento de Marcelo Queiroga foi recheado de estratégias que o permitiram evitar entrar em rota de colisão com o presidente Jair Bolsonaro.
Na véspera, o chefe do Poder Executivo atacou a China ao sugerir, sem apresentar qualquer fundamento, que o país asiático faz "guerra química" com o novo coronavírus por interesses econômicos.
Questionado sobre a ação de Bolsonaro, o ministro se limitou a dizer que tem boa relação com representantes do governo chinês, com os quais conversa quase semanalmente.
"A nossa relação com o embaixador da China é a melhor possível", frisou. Há uma reunião dele e do chanceler Carlos França com o embaixador chinês marcada para esta sexta-feira.
Diante da insistência dos membros da CPI para que emitisse sua opinião particular a respeito da prescrição da cloroquina para pacientes com a covid-19, o ministro Marcelo Queiroga ressaltou que a definição dos remédios não é fundamental para o combate à pandemia.
Segundo ele, os fatores decisivos para o êxito da política sanitária do País são a vacinação em massa e as medidas não farmacológicas, como o distanciamento social e o uso de máscaras de proteção.
"Essa questão do tratamento precoce não é decisiva no enfrentamento à pandemia. O que é decisivo é justamente a vacinação e as medidas não farmacológicas", disse.
Provocado a comentar o fato de Bolsonaro ter promovido uma série de aglomerações, o ministro disse apenas que elas não devem ser feitas por ninguém.
"Toda aglomeração deve ser dissuadida, independente de quem faça", disse.
Outro conflito com posições manifestadas pelo presidente Jair Bolsonaro transpareceu ao ser perguntado sobre medidas como o lockdown.
Marcelo Queiroga afirmou não ser contrário a "medidas extremas", desde que elas sejam colocadas em prática em casos específicos.
"Num município onde o estado epidemiológico está muito grave, pode-se, eventualmente, ter um fechamento maior, mas, como uma medida nacional... Nós temos um país continental. Uma medida como essa não vai surtir o efeito desejado".
Jair Bolsonaro disse na quarta-feira avaliar a edição de um decreto para garantir a "liberdade de culto, de poder trabalhar e o direito de ir e vir" que "não poderá ser contestado por nenhum tribunal".
Queiroga confirmou não ter sido consultado para fazer sugestões à minuta, mas que não cabe a ele fazer juízo de valor sobre o decreto.
"O que o presidente falou comigo acerca desse tema é que ele queria assegurar a liberdade das pessoas. Com assegurar a liberdade das pessoas, eu concordo", salientou.
Marcelo Queiroga disse ser contrário à quebra de patentes de vacinas contra a covid-19. O ministro argumentou temer que o Brasil não tenha condições de produzir as vacinas mesmo com a suspensão dos direitos de propriedade intelectual.
O ministro destacou que o programa de vacinação do País é baseado em doses provenientes de fabricantes como Pfizer e Janssen e que a quebra de patentes poderia afetar o programa.
"Isso pode interferir negativamente no aporte de vacinas para o Programa Nacional de Imunização. Claro que isso é uma opinião inicial. Vi que o presidente Biden se manifestou. Isso carece de análise mais detida”, afirmou Queiroga.
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