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Enquanto companheiros se rendem, o rebelde Adeodato forma Santa Maria

O líder dos rebeldes venceu uma disputa interna com federalistas para se tornar o comandante

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Por Redação
Atualização:

Adeodato Manoel Ramos, o último comandante militar dos rebeldes do Contestado, percebeu a estratégia do general Setembrino de Carvalho em isolar o movimento numa área restrita. Ele, então, tentou espalhar seus homens e seguidores na direção oeste do rio dos Peixes. O objetivo era chegar a Palmas, região pouco conhecida pelo Exército. Setembrino, no entanto, foi mais ágil e conseguiu impor uma barreira que impossibilitou a chegada dos rebeldes à área.

 

 

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Acuado, o líder rebelde concentrou o movimento nas margens dos rios Santa Maria e das Tripas, em Timbó Grande. Num vale de difícil acesso, ele mandou erguer uma igreja dedicada a São Sebastião e construir as primeiras casas de palha. Pela região se espalhou a notícia de que as águas dos rios eram milagrosas. Estima-se que cerca de dez mil caboclos passaram a viver no novo reduto.

Aos poucos Santa Maria ficou isolada. Os "bombeiros" - espiões do movimento - informaram a Adeodato que chefes rebeldes estavam se rendendo nos quartéis. Em Itaiópolis, Antônio Tavares se entregou aos militares. Perto dali, em Canoinhas, era Bonifácio Papudo que desistia da guerra. Tanto Tavares quanto Papudo eram considerados líderes militares com experiência em confrontos com tropas legais. A desistência dos dois chefes de reduto aumentou, no entanto, o número de moradores de Santa Maria. Muitos dos caboclos que estavam sob suas ordens percorreram trajetos de cem quilômetros para se juntar ao grupo de Adeodato.

 

A insistência de Adeodato e outros líderes do movimento rebelde em permanecer com armas nas mãos foi observada por oficiais do Exército. Em telegrama postado em Canoinhas no dia 4 de dezembro de 1914, o coronel Onofre Ribeiro escreveu ao general Setembrino de Carvalho que a força rebelde ainda era "respeitável" e que os inimigos eram "jagunços muito insolentes".

 

Disputa interna. A escolha de Adeodato, filho de pequenos agricultores, por Elias de Moraes para comandar os rebeldes chama a atenção quando se sabe que no movimento estavam veteranos rebeldes federalistas, que haviam sido derrotados por tropas legais ao defender maior autonomia para os Estados, na sangrenta revolução de 1893 a 1895. Durante o conflito no Contestado, os "órfãos" federalistas eram homens que estavam na faixa de 40 a 50 anos, dominavam armas e tinham noções de estratégias de guerrilha e combates em campos abertos. Por terem sido alijado do poder, os "federalistas" eram identificados pelos caboclos como monarquistas.

O surgimento das "cidades santas" animou federalistas como Aleixo Gonçalves, Inácio de Lima, Agustin Saraiva, o Castelhano, Antonio Tavares e Bonifácio Papudo, que viviam o ostracismo militar e a humilhação política.

 

Desde que o Contestado deixou de ser uma história de banditismo e fanatismo, a partir da redemocratização nos anos 1980, grupos de esquerda sempre se sentiram incomodados com a única fotografia que se conhece de Aleixo Gonçalves, um dos mais prestigiados líderes dos caboclos. O federalista posa com usa farda, exibindo seu bigode com pontas para cima e seu olhar altivo, características dos coronéis da República Velha.

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Ao mesmo tempo em que combatia o Exército, Adeodato travou uma disputa interna com os federalistas pelo controle dos redutos. Os federalistas defendiam a invasão da cidade de Lages, no Sul de Santa Catarina, onde viviam colegas "maragatos" reprimidos pelo grupo dos "chimangos", os antigos adversários que apoiavam o governo central durante a Revolução Federalista e que controlavam, naquele momento, o município. Pretendiam repetir a façanha dos farroupilhas, que em 1838 tomaram a cidade.

 

Adeodato não aceitou a ideia de invadir Lages. Para legitimar seu poder, ele desafiou os federalistas dentro do movimento rebelde. O líder executou pessoalmente o coronel "maragato" Aleixo Gonçalves, que havia se recusado a aceitar suas ordens. Adeodato tinha maior relação com a "massa". Diferentemente dos federalistas, conhecedores de algumas estratégias de guerra, ele tinha ligação com o catolicismo primitivo caboclo, o elo com a maioria dos rebeldes - seu pai, Manoel Telêmaco Ramos, puxava a reza em celebrações em São José do Cerrito, então distrito de Lages. Mesmo com a queda da "virgem" Maria Rosa no comando do movimento, a religiosidade não foi abandonada por completo pelos novos líderes rebeldes. Adeodato garantiu o protagonismo dos caboclos no movimento do Contestado.

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