Enfim, algo se move

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Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

As substituições do ministro da Defesa e do presidente da Infraero, é claro, não resolvem a crise aérea, cuja complexidade olhos leigos não alcançam na inteireza, mas o bom senso percebe como ampla, profunda e de difícil solução. Não se pode esperar também que Nelson Jobim, sozinho, por força de uma personalidade forte, de um raciocínio acima de tudo lógico, de uma visão pragmática e de uma inteligência privilegiada - mas que não esteve à altura de seus atos recentes, comandados pela ambição política -, arrume num átimo o que por longo tempo foi desarrumado. Mas não deixa de ser um alento o fato de o governo ter, finalmente, aceitado a evidência de que precisava se mexer, começar por algum lugar, tomar nas mãos o manche e parar com a boba ilusão de que o time está "ganhando" e, por isso, melhor deixar tudo como está para ver como é que fica. Lamentavelmente, foi preciso um desastre e o reconhecimento implícito de que entre as causas ainda não apuradas se inclui a responsabilidade pública, para que algo se movesse dentro do Palácio do Planalto. Agora é conferir se haverá continuidade nas ações e principalmente se elas serão tomadas na direção certa. As primeiras manifestações do presidente da República pós-troca de ministro localizam-no ainda no reino da fantasia. Nelson Jobim não será a figura decorativa de Waldir Pires - um homem que perdeu a prerrogativa das homenagens quando pôs sua permanência cargo acima do interesse nacional. Mas não poderá se apresentar em hiperatividade à deriva só para se contrapor à inatividade do antecessor. Há desafios imediatos a serem enfrentados por Nelson Jobim: o restabelecimento da cadeia de comando no setor aéreo e a demonstração imediata de um diferencial em relação a todos os outros que até agora estiveram em primeiro plano. Jobim usará seus melhores atributos a favor da causa em pauta se souber dar logo a resposta esperada por todos e assumir a responsabilidade da autoridade pública pela solução da crise, sem tergiversar nem permitir que prevaleça o sentido corporativo presente na atitude da Aeronáutica, da Anac, do Palácio do Planalto, das companhias aéreas, cada qual preocupada em defender o próprio latifúndio. Estará, por exemplo, o novo ministro em consonância com o pensamento do brigadeiro Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes da Aeronáutica, quando diz que as investigações não têm como objetivo apontar culpados ou causas do acidente? Ou concordará com a Infraero, a Anac e o palácio quando buscam transferir responsabilidade ao imponderável? Ou estará associado à "reza" de Lula para que não ocorram novas tragédias? Nelson Jobim precisará ao menos, desde o início, mostrar ao que veio: se será mais um da série de anódinos ministros da Defesa ou se tem realmente condições de pôr o governo na ofensiva da crise. Não poderá, no entanto, se desincumbir sozinho da monumental tarefa. Dependerá primordialmente de o presidente da República imbuir-se da convicção de que governar é comandar, arbitrar, moderar, e, como preliminar indispensável, abandonar a obsessão de tirar sempre o corpo fora a fim de se guardar para quando o carnaval eleitoral chegar. Vocação irresistível O presidente Lula ontem conseguiu tirar o brilho da posse do novo ministro da Defesa e transformar em negativo o primeiro fato positivo produzido pelo governo em toda a crise aérea: a troca do comando imediata e diretamente subordinado a ele. O momento era de ressaltar os atributos de Nelson Jobim, saudar sua capacidade de ajudar o governo a retomar o controle da crise e organizar a bagunça em que se transformou o sistema de tráfego aéreo. Mas, com sua enorme e irresistível vocação para o erro, Lula fez o contrário: deu-se a piadices, dizendo que morre de medo de avião. Não teve a menor graça. O que ele conseguiu foi reforçar o pânico e o sentimento de que o governo continua perdido. Conseguiu mais: mostrar que a crise continua sem piloto e, como réu confesso, admitir que o governo segue sem comandante. Com suas declarações, Lula quis se mostrar próximo da população, sócio das emoções do País. Pretendeu, mesmo involuntariamente, recuperar um antigo slogan de campanha eleitoral em que dizia ser um "brasileiro igualzinho a você". No caso, o eleitor. Esqueceu-se, porém, de um "pormaior": Não é candidato, é presidente e responsável pelo que acontece no Brasil. Para o bem e para o mal. Ao fazer o discurso no mesmo ritmo descontraído de sempre, antes mesmo de os familiares das vítimas do Airbus A320 conseguirem enterrar seus mortos, Lula exibiu monumental falta de sensibilidade e ausência de senso de oportunidade, para não dizer de ridículo. É de se temer pelo tom que usará em seus discursos no Nordeste, na retomada da agenda externa, a partir de hoje, para lançamento do PAC em quatro capitais da região.

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