Emenda de interesse dos Estados retira R$ 1 bi do setor

Artifício subtrai do mínimo a ser aplicado na saúde o que os governadores perdem com o Fundeb

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Por Sergio Gobetti e BRASÍLIA
Atualização:

Uma emenda de interesse dos governadores acolhida ontem pelo relator do projeto de regulamentação dos gastos com saúde, deputado Pepe Vargas (PT-RS), deve retirar pelo menos R$ 1 bilhão do setor. Proposto pelos governadores e considerado inconstitucional por procuradores da República e integrantes do Tribunal de Contas da União (TCU), o artifício consiste em subtrair da base de cálculo do mínimo constitucional da saúde a perda que os Estados têm hoje com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Básico (Fundeb). Atualmente, os Estados financiam os investimentos em educação dos municípios, transferindo-lhes cerca de R$ 8,5 bilhões ao ano. É esse valor que, pela emenda aceita pelo relator, poderá ser reduzido do montante da receita sobre o qual incidem os 12% que os governadores estão obrigados a investir anualmente em saúde. O bolo de receitas estaduais vinculado à saúde ultrapassa hoje os R$ 200 bilhões anuais, o que significa que o gasto mínimo de saúde é 12% disso: R$ 24 bilhões. "Não tenho a menor dúvida de que essa tentativa de incluir a dedução do Fundeb em favor dos Estados no projeto de lei complementar que regulamentará a Emenda Constitucional nº 29 de 2000 é inconstitucional", diz o procurador regional da República Oswaldo José Barbosa Silva. "Desde já manifesto minha intenção de, caso venha a se transformar em lei, apresentar requerimento ao procurador-geral da República que ajuíze ação direta de inconstitucionalidade contra a norma." Barbosa Silva é integrante do Grupo de Trabalho da Saúde, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, e faz parte do grupo de juristas e técnicos que têm argumentado com o relator que não é possível modificar uma regra constitucional (como a base de cálculo do piso da saúde) por meio de lei complementar. Atualmente, o artigo 198 da Constituição define explicitamente quais receitas integram a base de cálculo do mínimo da saúde e não permite que sejam deduzidas as perdas com o Fundeb, mas apenas as transferências de impostos estaduais para os municípios, como no caso do ICMS e do IPVA. "Na prática, o procedimento de dedução do Fundeb significaria a instituição, por ato infraconstitucional, da desvinculação das receitas estaduais, uma espécie de ?DRE? - à semelhança da DRU da União -, não agasalhada pela Carta Republicana", diz um parecer de técnicos do TCU obtido pelo Estado. O próprio relator admite que essa emenda poderá ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), mas alega a necessidade de acolhê-la pela pressão dos deputados que votam de acordo com a orientação dos governadores. Pepe Vargas argumenta, porém, que mesmo com essa concessão a regulamentação da Emenda 29 proporcionará R$ 3 bilhões a mais para a saúde no âmbito dos gastos estaduais. Isso porque hoje apenas dez Estados estão plenamente enquadrados no mínimo de 12%. Se eles vierem a cumprir o mínimo, isso proporcionaria R$ 3 bilhões a mais, nos seus cálculos.

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