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Embate com militares no Sul foi embrião do MST, que fará 25 anos

Acampamento no norte gaúcho chamou a atenção para movimento nascente, três anos antes da fundação oficial

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Foto do author Leonencio Nossa
Por Leonencio Nossa
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Uma pequena placa afixada em uma pedra na beira da rodovia RS-324, entre as cidades gaúchas Ronda Alta e Passo Fundo, é um dos poucos indícios de que nessa região tranquila do norte do Rio Grande do Sul começou a trajetória do Movimento dos Sem-Terra (MST), que no dia 19 completará 25 anos. Às margens da estrada foi montado o acampamento da Encruzilhada Natalino, onde, segundo a placa, houve a "derrota do Curió" e "vitória da luta da terra". Em julho de 1981, o então presidente João Figueiredo deslocou da Amazônia para ali o coronel Sebastião Curió, especialista em conflitos fundiários. A chegada a Natalino, porém, deu publicidade ao movimento, que seria fundado oficialmente três anos depois, em Cascavel. Integrantes da igreja católica derrotados por Curió no Pará foram brigar com ele no Rio Grande do Sul. Queriam a revanche após uma série de prisões de religiosos no Norte, como a do padre Florentino Maboni, em 1977, e do desmantelamento de grupos camponeses. Em maio de 1980, fora morto Raimundo Ferreira de Lima, o Gringo, sindicalista formado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), aposta do clero "progressista". Os bispos d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do Xingu, e d. Tomás Balduíno, fundador da CPT, foram os primeiros a chegar para a missa em Natalino, com 463 famílias. Enfrentavam a resistência do Exército para reconstituir no Bico do Papagaio - região que abrangia o norte de Goiás e parte de Pará, Mato Grosso e Maranhão - a rede de sindicatos e organizações arrasada nos combates que liquidaram a Guerrilha do Araguaia. Os religiosos levaram para Natalino um dossiê da ação de Curió contra a guerrilha do PC do B, confronto que resultou na morte de 63 guerrilheiros e 16 militares. O clero do sul do Pará não perdoava Curió pelos combates à guerrilha. À época do Araguaia, o grupo "progressista" de bispos como d. Luiz Estevão, de Marabá, não tinha poder na estrutura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para apoiar os guerrilheiros e dar proteção aos torturados. O jogo viraria em Natalino. A presença de Curió e seus adversários no Rio Grande do Sul despertou a atenção de jornais e revistas do Rio e de São Paulo, que não enfrentavam mais a censura, e de sindicatos de todo País. Os sem-terra receberam apoio de entidades internacionais e de outras religiões. Em pouco tempo, uma rede contrária ao governo estava no acampamento. "Todos fomos para lá", lembra o atual ministro da Previdência, José Pimentel. Ele esteve na Encruzilhada durante dois dias na companhia de d. Aloísio Lorscheider, bispo de Fortaleza. "O clima era de medo", completa. Pimentel integrava a Pastoral Operária. SIMBOLISMO A Encruzilhada Natalino havia abrigado o último grande acampamento de camponeses antes do golpe militar. Ali haviam sido instalados em 1962, pelo então governador Leonel Brizola, 450 pessoas, em 22 mil hectares da antiga Fazenda Sarandi. Após a tomada do poder, os militares desmontaram o acampamento brizolista. O casal Olmino Ferreira, de 67 anos, e Lúcia Loreci de Lima, de 47, foi uma das famílias que estiveram no acampamento de Natalino. Hoje vivem a 15 quilômetros dali. "Curió montou barracas do Exército na margem direita da estrada", relata Ferreira. Lúcia lembra que Curió era rígido e tentou convencer as famílias a se mudarem para Mato Grosso. "Mas a maioria resolveu ficar." Um dos novos líderes do MST, Adelfo Zamarqui, de 45 anos, de Trindade do Sul, lembra que começou a militar no movimento a partir do acampamento de Natalino. "A resistência das famílias que ficaram na Encruzilhada deu origem à fundação do MST", recorda.

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