Em meio a divergências, Hillary busca apoio do Brasil a 'objetivos comuns'

EUA pressionam por sanções ao Irã e defendem que 'velhas divisões' sejam superadas.

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Por Valquiria Rey
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A secretária de Estado americana, Hillary Clinton, se reúne nesta quarta-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, em um encontro que os Estados Unidos definem como uma oportunidade de superar "velhas divisões" em nome de "objetivos comuns". O governo americano já adiantou que um de seus principais objetivos com a visita de Hillary é convencer o Brasil a usar a sua influência junto ao Irã para pressionar as autoridades iranianas a aceitar restrições em seu programa nuclear. "Em um momento de grande desafio mundial, é particularmente importante olhar para além das velhas divisões e antagonismos e se concentrar em como podemos trabalhar juntos para avançar em objetivos comuns", disse Darla Jordan, porta-voz do Departamento de Estado, à BBC Brasil. "Acredito que seja isso o que os líderes democráticos da região e a esmagadora maioria do seu povo estão fazendo", afirmou. Segundo ela, o Brasil "é uma potência regional chave". "Nós dividimos com o Brasil uma ampla e complexa gama de interesses que vão além das nossas fronteiras, incluindo o desenvolvimento social e econômico e a estabilidade democrática em todo o hemisfério ocidental e mais além." Os prováveis temas da visita de Hillary incluem assuntos que recentemente marcaram divergências nas posições de Brasil e Estados Unidos, como a postura diante do programa nuclear do Irã, o impasse nas negociações sobre clima e comércio internacional e a relação com governos que têm um forte discurso antiamericano como Cuba, Venezuela e Bolívia. América Latina Apesar dos pontos de atrito, a secretária de Estado americana defende que o relacionamento de seu país com a América Latina melhorou no governo Obama em comparação com a gestão de George W. Bush. De acordo com Hillary Clinton, o atual presidente lançou uma nova fase, que deverá fortalecer a relação entre os Estados Unidos e os países latino-americanos. "Os vários líderes no hemisfério que têm acusado sem fundamento os Estados Unidos não estão mais encontrando tanta plateia", afirmou Hillary a jornalistas em seu primeiro dia de viagem na América Latina. "Isso mostra que a maneira como estamos conduzindo nossa diplomacia está sendo bem recebida." A promessa de uma nova fase na relação com a região, no entanto, sofreu um forte desgaste e despertou críticas, inclusive do Brasil, com a decisão do governo americano de mudar sua postura sobre a crise política em Honduras e aceitar como legítimas as eleições realizadas no final de novembro. A maioria dos governos latino-americanos defendia que o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, deveria retornar ao poder antes da realização das eleições. Com o apoio dos Estados Unidos, o pleito acabou realizado sem a volta de Zelaya, que partiu para a República Dominicana após quatro meses abrigado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Os Estados Unidos também encontraram resistência na América Latina ao acordo de cooperação entre Washington e Bogotá, que prevê o uso de bases colombianas por tropas americanas. Na avaliação de Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, centro de estudos sediado em Washington, o governo Obama não foi capaz de dar maior atenção à América Latina por três razões: agenda sobrecarregada, extremo partidarismo, que transforma determinados assuntos em batalhas políticas e ideológicas (como imigração, comércio, drogas e o embargo a Cuba, entre outros), e a falta de boa vontade de alguns países da região com os Estados Unidos. "Muitos governos estão reivindicando demais, dando seguimento a políticas que são decepcionantes e irritantes para os Estados Unidos: a relação entre o Brasil e o Irã, por exemplo, ou as críticas às bases militares na Colômbia e a criação de um organismo alternativo à Organização dos Estados Americanos", avalia Hakim. Para Peter De Shazo, diretor do Programa para as Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, há semelhanças em alguns aspectos da política de Obama e Bush para a América Latina. De acordo com ele, Bush tentou melhorar a relação com o Brasil, e Obama está muito interessado em dar continuidade a essa tendência. "O presidente Obama é uma figura muito popular entre o povo brasileiro e em toda a região. A tendência é que seu governo se esforce em ter uma relação boa e produtiva com os países da região", diz De Shazo. Irã A grande expectativa nas reuniões de Hillary Clinton com o presidente Lula e com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, gira em torno da pressão que o governo americano deve fazer para que o Brasil apoie novas sanções ao Irã. "Esperamos que o Brasil desempenhe um papel positivo para encorajar o Irã a restaurar a confiança da comunidade internacional, cumprindo todas as suas obrigações internacionais sem mais demora", afirmou a porta-voz do Departamento de Estado. Os americanos já manifestaram preocupação com a aproximação do Brasil e de outros países da América Latina com o Irã, em um momento em que estudam junto com os demais membros do Conselho de Segurança da ONU a hipótese de impor novas sanções aos iranianos por causa de seu programa nuclear. O Brasil, que atualmente é membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, já manifestou objeção a novas sanções e tem defendido o diálogo com o governo iraniano como melhor caminho para solucionar o problema. "Os Estados Unidos reconhecem plenamente o papel crucial do Brasil na região. Reconhecem também sua independência", afirma Shannon O'Neil, analista de política latino-americana do Council for Foreign Relations. "Essa viagem envolve tentar persuadi-lo à posição americana sobre o Irã, e não obrigá-lo a isso." O'Neil cita ainda outro possível assunto de interesse para os americanos na relação com o Brasil. "O mesmo vale para a compra dos novos caças da Força Aérea Brasileira", diz o pesquisador. "Os Estados Unidos gostariam de vender os Boeings ao Brasil, mas reconhecem a necessidade de competir pela oferta." Sobre a possibilidade de um acordo para evitar uma retaliação comercial contra os Estados Unidos por conta dos subsídios concedidos pelo governo americano aos produtores de algodão, o governo americano se diz otimista. "Os Estados Unidos estão interessados em identificar uma solução para esta situação, sem recorrer a medidas defensivas contra o Brasil", afirmou a porta-voz do Departamento de Estado. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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