PUBLICIDADE

Em busca de liderança, Brasil manteve desequilíbrio com andinos, dizem analistas

País ainda se beneficia mais na relação comercial e colaboração é 'ineficiente' nas fronteiras.

Por Claudia Jardim
Atualização:

Analistas de países andinos ouvidos pela BBC Brasil acreditam que o governo brasileiro, buscando estabelecer uma posição de liderança na região, não conseguiu reduzir um desequilíbrio, especialmente comercial, que existe entre o próprio Brasil e esses países. A cobrança dos países andinos é que não foi colocada em prática a proposta de substituição competitiva de importações, que consistiria em incrementar a industrialização dos países da região com o apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Caso essa proposta fosse implementada, o Brasil deixaria de comprar de outros países aqueles produtos que poderia importar dos vizinhos. Segundo Marco Romero, diretor do centro de Estudos Internacionais da Universidade Andina Simón Bolívar, a proposta de desenvolvimento regional foi constantemente ressaltada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seus oito anos de mandato. "Isso ficou na retórica", afirmou. "O Brasil quer ser líder, mas não quer pagar os custos dessa liderança." Redução das desigualdades Um dos casos representativos do superávit brasileiro na balança comercial regional é com a Venezuela, com quem as relações comerciais tiveram um crescimento exponencial nos últimos anos, convertendo a Venezuela no quinto principal sócio comercial do Brasil. Em 2009, a pauta de exportações alcançou US$ 5,7 bilhões, com superávit de US$ 5,1 bilhões para o Brasil. Para o analista político boliviano Eduardo Paz Rada, professor da Universidade Mayor de San Andrés, a liderança brasileira que "interessa a todos" é que o Brasil possa ser uma "barreira" capaz de frear as imposições europeias e dos Estados Unidos em acordos comerciais com a região e que "ao mesmo tempo colabore com o desenvolvimento dos vizinhos". A postura do Brasil durante a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia é vista por especialistas como um caminho que deve ser seguido na condução das negociações com os demais países. Após um período de crise e de pressões sobre o governo Lula, a Petrobras acatou o incremento de impostos e royalties exigidos pelo governo de Evo Morales para a venda do gás ao Brasil. "O novo governo terá que assumir que não pode ter liderança se não aceita que suas negociações com os vizinhos não podem ser nos mesmos termos utilizados para qualquer multinacional ou país industrializado", afirmou Socorro Ramírez, professora do Instituto de Estudos Políticos e Relações Internacionais da Universidade Nacional da Colômbia. Para o analista político venezuelano Javier Biardeau, professor da Universidade Central da Venezuela, as desigualdades também podem ser minimizadas em um fundo de compensação que chegou a ser discutido pela Unasul (União de Nações Sul-Americanas), porém não foi desenvolvido. "Este fundo deve permitir aos países mais frágeis em termos de capacidade produtiva ter acesso a projetos de desenvolvimento com créditos a juros mais baixos", explicou. Infraestrutura e fronteiras Projetos de infraestrutura que poderiam ter aproximado mais o Brasil dos países andinos também acabaram ficando no papel nos últimos anos. Um deles previa a abertura de um corredor rodofluvial entre Manaus e o porto equatoriano de Manta. O projeto foi afetado pelo distanciamento entre os governos de Lula e do equatoriano Rafael Correa após uma crise entre o Equador e a construtora Odebrecht em 2009. A empresa brasileira foi acusada de falhas na construção de uma usina hidrelétrica no país andino. A expectativa dos equatorianos é que o projeto do corredor fluvial seja retomado durante o mandato do próximo presidente brasileiro. Os analistas também acreditam que, apesar do avanço político das relações políticas entre Brasil e a região andina, o Brasil falhou em projetos de cooperação para estabelecer um maior controle das fronteiras. "Se há política ineficiente por parte do Brasil é a fronteiriça. Não houve cooperação na proteção da fronteira, e isso deve ser trabalhado pelo próximo governo", afirmou o analista Carlos Romero. Outro teste será o de consolidar "alianças energéticas", em especial com a Venezuela, principal produtor de petróleo da América do Sul, e a Bolívia, que possui a maior reserva de gás. 'Estilo' Os analistas andina preveem ainda a continuidade das políticas destinadas à região independentemente de quem for o vencedor das eleições de outubro. No entanto, eles esperam "mudanças no estilo". Para Carlos Romero, o desafio da nova ou novo presidente do Brasil será superar a liderança e o carisma que marcou a administração do presidente Lula. "O desafio será superar a liderança que Lula teve na região. Qualquer um dos dois, Dilma ou Serra, terá que se apegar à política exterior do Estado brasileiro, porque carisma, nenhum dos dois têm", avalia. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.