BRASÍLIA — O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs várias derrotas e deu duros recados ao governo de Jair Bolsonaro ao longo de 2019. O plenário da Corte restringiu a extinção de conselhos pelo Executivo, manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai e suspendeu o fim do DPVAT. Além disso, em decisões individuais, foram barradas alterações no Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda) e suspensa uma medida provisória que dispensava a publicação de editais de licitação e leilões em jornais de grande circulação.
Em decisão que contrariou o Planalto e a ala evangélica, um dos principais grupos de sustentação de apoio a Bolsonaro,
o STF enquadrou a discriminação contra homossexuais e transexuais como crime de racismo
. Depois, o presidente passar a defender a indicação de um ministro “terrivelmente evangélico” para a Corte.
A primeira vaga será aberta em novembro do ano que vem, com a aposentadoria compulsória de
, que se converteu em um dos principais porta-vozes de contraponto ao governo dentro da Corte. Em julho de 2021, será a vez de o ministro
deixar o Supremo, abrindo caminho para a segunda indicação de Bolsonaro. Entre os temas da agenda do governo pendentes de análise pelo STF estão a reforma da Previdência, ainda sem previsão de julgamento.
Para o primeiro semestre de 2020,
, como a descriminalização da maconha para uso pessoal e a descriminalização do aborto. Ao não marcar esses julgamentos controversos, Toffoli pretende evitar atritos com o Planalto e dar mais tempo para o Congresso se debruçar sobre os temas.
“Quando prevalece a Constituição, não há que se falar em derrota. O Supremo é o guarda da Constituição e não está engajado em qualquer política governamental. As instituições estão funcionando com independência”, disse ao
'Estado'
o ministro Marco Aurélio Mello.
Críticas.
A primeira derrota do governo no Supremo veio em junho, quando os ministros decidiram – por unanimidade – que o
governo federal não pode extinguir conselhos que tenham sido criados por lei
. “O Executivo não pode legislar por decreto, tal situação configuraria clara manipulação do exame que é feito pelo Congresso. Nenhuma dúvida de que o decreto não poderia extinguir colegiados criados por lei”, disse o ministro Gilmar Mendes na ocasião.
Em outro placar unânime, o STF decidiu em agosto
manter a demarcação de terras indígenas com a Funai
, barrando as pretensões do Planalto de transferir essa responsabilidade para o Ministério da Agricultura. Depois do julgamento, Celso de Mello disse em entrevista ao
'Estado'
que Bolsonaro “degrada a autoridade do Parlamento brasileiro” ao reeditar trecho de medida provisória rejeitada pelo Congresso no mesmo ano.
O terceiro revés veio na semana passada, quando, em sessão virtual,
. Conforme revelou o
'Estado'
, a decisão atingiria em cheio os negócios do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE). Desafeto de Bolsonaro, Bivar é o controlador e presidente do conselho de administração da seguradora Excelsior, uma das credenciadas pelo governo para cobertura do seguro DPVAT.
No próprio governo a derrota era considerada certa. Para o relator da ação, ministro Edson Fachin, a edição da medida provisória atenta contra a Constituição, que prevê lei complementar para tratar do tema.
Na avaliação do professor de Direito Constitucional da FGV-SP Roberto Dias, Bolsonaro tentou nesses casos burlar a Constituição, diante da dificuldade de formar uma maioria estável no Congresso. “São casos emblemáticos, gritantes, de tentativa de afronta ao Congresso Nacional e à Constituição. Em linhas gerais, parece que o STF, em relação a esses atos abusivos do Executivo, agiu bem, freando os excessos do presidente da República”, afirmou Dias.
Liminares.
O governo também foi derrotado com a caneta solitária de ministros do STF. No último dia antes do recesso do STF,
. Para o ministro, as mudanças criavam riscos do surgimento de um “órgão chapa branca”, que “esvazia e inviabiliza” a participação de entidades da sociedade civil.
Em um julgamento que não envolvia medidas tomadas pelo atual governo, o Supremo deu recados a Bolsonaro e rejeitou em agosto ação do PSL que queria suspender dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor desde 1990. Um dos pontos contestados era o veto à detenção de crianças e adolescentes para averiguação ou por motivo de perambulação. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro afirmou que o ECA tinha de “ser rasgado e jogado na latrina”.
“Quem achar que o problema da educação no Brasil é Escola sem Partido, ideologia de gênero ou saber se 64 foi golpe ou não, está assustando com a assombração errada”, criticou Barroso na ocasião, ao defender a importância da educação para combater a criminalidade.
Procurada, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que as medidas barradas pelo Supremo “tinham mérito administrativo e foram adotadas com respaldo jurídico”. “A instituição tentou demonstrar isso e seguirá cumprindo sua atribuição de defender judicialmente, de forma técnica e com diálogo, as políticas públicas – sempre respeitando quando a Corte entender de forma diversa e reconhecendo que tais decisões fazem parte do sistema de freios e contrapesos inerente ao estado democrático de direito”, alegou. O Planalto não se manifestou.