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Em 20 anos, Oi foi 'salva' mais de uma vez na tentativa de se criar uma 'supertele' nacional

Empresa, que surgiu na época da privatização do Sistema Telebrás, recebeu um empurrão nos governos petistas para se tornar uma 'campeã nacional'

Por Anne Warth
Atualização:

BRASÍLIA - Foi por meio de um decreto que o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitiu a criação do que se tornaria a megaoperadora Oi, em 2008. Editado dez anos depois da privatização da Telebrás, o decreto mudou o Plano Geral de Outorgas (PGO), permitindo que um mesmo grupo econômico pudesse operar em mais de uma área de concessão.

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Já na época, o decreto foi interpretado como uma tentativa do governo de salvar a companhia – que resultou da união entre a antiga Oi (ex-Telemar) e a Brasil Telecom. Mas a história da Oi mostra que essa não foi a primeira tentativa do governo de ajudar a companhia. Pelo contrário: todos os governos, de uma forma ou de outra, tentaram salvar a empresa.

A Operação Lava Jato citou este decreto, assinado por Lula, como uma das medidas para favorecer a operadora em troca de repasses para empresas ligadas ao filho do ex-presidente Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, e dos empresários Fernando Bittar, Kalil Bittar e Jonas Suassuna.

Ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros afirmou que o decreto de 2008 não foi ilegal, mas, ainda assim, não deveria ter sido editado. “Não houve nenhuma ilegalidade com o decreto. A lei permitia que o PGO fosse alterado pelo Poder Executivo. O que houve foi uma falta de avaliação de uma condição estratégica do negócio, ao permitir que dois grupos econômicos com problemas financeiros se unissem e só aumentassem o volume de dívidas”, afirmou Quadros. “Se isso tivesse sido evitado, o processo de recuperação judicial de uma ou outra (Brasil Telecom ou Oi) seria mais fácil de administrar, e não teria gerado uma dívida conjunta de R$ 65 bilhões (o endividamento da Oi quando pediu recuperação judicial).”

Recuperação judicial da Oi é a segunda maior do País. Foto: Marcos Arcoverde/Estadão - 10/9/2019

Fernando Henrique Cardoso 

Mas, se o decreto foi essencial para transformar a Oi na operadora gigante que viria a ser, a história da empresa foi permeada por ações do governo desde sua fundação. Ela começa no leilão de telefonia fixa, realizado em 1998. Para aumentar a competição, o governo dividiu o País em três regiões: Telesp, adquirida pela Telefônica; Centro-Sul, arrematada pela Brasil Telecom; e Norte Leste, comprada pela Telemar – que anos depois mudou de nome e se tornou a Oi.

Se hoje é um serviço obsoleto, na época, a telefonia fixa era um sonho de consumo da maioria da população e carro-chefe das empresas. A telefonia celular, também leiloada na mesma data, dava seus primeiros passos, ainda restrita aos serviços de voz e mensagens de texto com preços ainda inacessíveis para a maioria da população.

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Já na época do leilão, a então Telemar não era bem vista pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que duvidava da capacidade da companhia de honrar compromissos vultosos. Diferentemente da Telefônica (hoje Vivo) e da Brasil Telecom, a empresa era composta apenas por investidores nacionais – como BNDESPar, fundos de pensão estatais e braços de investimento da construtora Andrade Gutierrez e do grupo Jereissati – e não tinha entre seus sócios nenhum acionista com experiência na área de telefonia.

Mesmo assim, a então Telemar participou do leilão e adquiriu, sem ágio, pelo preço mínimo, a área mais desafiadora da disputa, que incluía as regiões Norte, Nordeste e Sudeste, exceto São Paulo. As dúvidas do governo FHC se confirmaram ao longo dos anos, e a empresa passou a enfrentar dificuldades financeiras para honrar o compromisso de universalizar a telefonia fixa em sua área de concessão.

Ao longo dos anos, a companhia acumulou inúmeras multas da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por descumprir obrigações. Com o tempo, essas sanções acabaram atingindo patamares bilionários.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso Foto: Leo Martins/Estadão

Lula

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Foi quando o governo Lula, em novembro de 2008, editou um decreto que mudava o marco regulatório do setor e permitia que companhias detentoras de áreas de concessão diferentes pudessem se fundir - até então, algo proibido. A deficitária Oi acabou comprando a Brasil Telecom – que atuava no Sul e no Centro-Oeste, além de Acre, Rondônia e Tocantins. A Brasil Telecom também tinha problemas financeiros, mas estava em situação aparentemente mais sadia do que a Oi.

Na época, o governo informou que passaria a exigir contrapartidas da nova empresa que surgisse da operação. A nova Oi nascia como uma supertele, escolhida pelo governo para ser uma campeã nacional, estimular o crescimento econômico e, eventualmente, tornar-se uma empresa de alcance internacional. Mesmo com dívidas elevadas, ela foi uma das mais beneficiadas pela política de empréstimos subsidiados do BNDES, iniciada no governo Lula e intensificada na gestão Dilma Rousseff. 

O ex-presidente Lula em discurso em Curitiba Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters

Dilma

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Em 2013, já no governo Dilma, a Oi e a Portugal Telecom anunciaram uma fusão para criar a CorpCo, uma companhia global com atuação no Brasil, Portugal e países africanos. Mas o negócio deu errado cerca de um ano depois, quando a tele portuguesa, sem informar a sócia brasileira, comprou títulos no valor de quase 900 milhões de euros do Banco Espírito Santo. O banco, que era um dos maiores acionistas da empresa, não honrou o pagamento e acabou falindo. Em 2015, a Oi conseguiu vender a Portugal Telecom para a Altice.

No mercado interno, as dificuldades da Oi ficaram mais visíveis em 2014, quando a companhia, ao contrário de suas concorrentes Vivo, Claro e TIM, não participou do leilão do 4G, que ofertou a frequência de 700 MHz. Esse investimento era vital para que a companhia pudesse concorrer de igual para igual com as outras teles pela nova tecnologia que hoje é o principal negócio e fonte de receitas do setor.

Com grande parte de seus clientes na telefonia fixa, mas em quarto lugar no ranking de telefonia celular, o faturamento da Oi caía enquanto as dívidas aumentavam. Com a piora nos indicadores de qualidade do serviço, a empresa entrou no radar da Anatel, que muitas vezes ameaçou intervir na concessionária - mas, sem apoio do governo federal, nunca o fez.

Temer

A Oi finalmente entrou com pedido de recuperação judicial em junho de 2016, com dívidas de R$ 65 bilhões. Já na gestão de Michel Temer, o governo tinha ainda mais interesse em evitar a falência da empresa, já que quase R$ 20 bilhões desse passivo eram dívidas com a União e a própria Anatel. Além disso, em milhares de municípios do País, a companhia era a única operadora, e o colapso da companhia poderia deixar milhões de consumidores incomunicáveis.

Em 2017, a agência chegou a elaborar uma medida provisória na tentativa de ajudar a empresa, alongando prazos de pagamento de dívidas e substituindo passivos por investimentos. O texto, no entanto, nunca foi editado pelo governo.

Paralelamente, o governo passou a defender a aprovação do novo marco regulatório das teles no Congresso como uma forma de atrair um novo investidor, permitindo a migração do regime de concessões, que exigia investimentos até em orelhões, para o de autorizações, mais flexível e focado em banda larga. A avaliação era a de que a Oi precisava de um novo sócio que injetasse recursos suficientes para que a companhia pudesse competir com outras teles. O texto já havia sido aprovado pela Câmara, mas ficou parado no Senado.

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Às vésperas da assembleia de credores que avaliaria o plano de recuperação judicial da companhia, numa reunião que se estendeu pela madrugada do dia 13 de dezembro de 2017, Temer e seus ministros pressionaram a Anatel a aceitar a proposta da companhia, que propunha descontos de 90% nas dívidas da tele com a União e a agência e prazo de 20 anos para o pagamento. Sem amparo legal e sob risco de responsabilização pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Anatel e a Advocacia Geral da União (AGU) votaram contra o plano. A maioria dos credores, no entanto, aprovou a proposta.

Ex-presidente da república Michel Temer (MDB) Foto: Agência Brasil

Bolsonaro

Foi apenas durante o governo do presidente Jair Bolsonaro que o novo marco regulatório das teles virou lei. O projeto foi sancionado em outubro de 2019, depois de aprovado pelo Senado em setembro e pela Câmara anos antes, em 2015. 

Mesmo assim, a Oi não conseguiu atrair um novo investidor da área de telecomunicações. A solução para a empresa foi vender seus ativos, para pagar as dívidas, e se concentrar apenas na operação da rede de fibra óptica. Algo muito distante da supertele que um dia tentou ser.

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