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Duas campanhas, uma só prosa

Apesar da longa maturação das candidaturas de Dilma e Serra, disputa que termina hoje não teve grandes distinções de conteúdo e forma

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Por Redação
Atualização:

Se uma campanha se faz em poesia e um governo em prosa, como disse o ex-governador de Nova York Mario Cuomo, a poesia da campanha que acaba hoje foi composta por versos quebrados e rimas pobres, apesar do longo tempo de maturação. Afinal, Dilma Rousseff e José Serra são virtuais candidatos desde o início do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas isso não significou uma campanha com grandes distinções de conteúdo e forma. O estilo que predominou, em ambos os lados, foi prometer demais e se comprometer de menos, cada um com suas tônicas.

 

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A oposição demorou a perceber que Lula havia escolhido Dilma como sua sucessora. Ele não apenas a promoveu do Ministério de Minas e Energia para a Casa Civil, como deu a este órgão um alcance que não tinha havia muito tempo. Em fevereiro de 2007, ela foi vistoriar as obras do Pan, no Rio, no lugar dos ministros dos Esportes ou das Cidades. Pouco antes, Lula tinha lançado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o plano de investimentos em infraestrutura para o qual, em março, atribuiu a responsabilidade a Dilma.

 

A ideia era colocá-la na vitrine principal, como braço direito do presidente, e colar à sua imagem o perfil da "fazedora", para que dali a três anos fosse lançada candidata sem ficar vulnerável à acusação de não ter experiência administrativa. No mesmo lance, Lula a chamou de "mãe" do PAC, investindo no bordão de que "nunca antes o Brasil teve uma mulher na presidência".

 

Reza a lenda que Lula a escolheu depois de uma reunião do setor energético em que Dilma teria mostrado domínio do assunto com citações de números. Mais importante foi o fato de que ela era secretária estadual de Energia quando ocorreu o apagão em 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, e o Rio Grande do Sul foi dos poucos Estados que escaparam ao racionamento. Até o passado como guerrilheira – "companheira de armas", na expressão de José Dirceu – poderia somar atributos à sua imagem de pessoa determinada. Mais que um Dirceu de saias, essa ex-brizolista não tinha o desgaste público dele. Era uma novidade, ao mesmo tempo que significaria uma continuidade.

 

Houve ameaças graves ao roteiro traçado por Lula e sua equipe. Em 2008, Dilma e sua assessora Erenice Guerra viram-se envolvidas no escândalo dos dossiês que reuniam dados sobre a família de FHC (como seria feito com a de Serra em 2009, segundo notícias divulgadas um ano depois).

 

Câncer. Em abril de 2009, veio o maior revés: revelou ao público que passava por quimioterapia contra um câncer no sistema linfático; e em maio, já usando peruca, ficou internada no Hospital Sírio-Libanês. Mas, em setembro, anunciou estar curada. A superação transformou o revés em trunfo.

 

Após três anos de Dilma como mulher-forte do governo, chegada a hora de anunciar oficialmente a candidatura, cabia aos marqueteiros só fazer ajustes nessa imagem. Embora ela tenha muito mais intenções de voto entre homens do que entre mulheres, o fato de poder ser a primeira "presidenta" foi realçado desde o começo. Visualmente, tratou-se de dar mais feminilidade, com figurinos que em certos momentos lembraram os de Marta Suplicy, como tailleurs vermelhos, cabelo moderno com "luzes" e joias – mas sem a mesma afetação, para não tirar a imagem de gerente.

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Era preciso também que Dilma falasse de modo mais coloquial e menos prolixo. Na TV, seja nos programas do horário eleitoral gratuito, seja nos debates, nitidamente procurou sorrir mais, transmitir uma imagem mais suave, pois a noção de ser uma pessoa de temperamento forte já estava consolidada.

 

No outro canto do ringue, Serra tentou uma estratégia inversa, mas que reforçou as semelhanças. Governador e ex-ministro da Saúde, apostou boa parte da campanha em confrontar sua experiência administrativa com a de Dilma. Mas, além disso, era preciso mostrar que seu "tato político" era também maior, por ter sido parlamentar e passado por diversas eleições, ao contrário dela. Essa seria uma forma também de atenuar sua imagem de "centralizador, autoritário".

 

Declarar-se candidato antes de 2010 era considerado pelos especialistas uma temeridade; o melhor seria continuar governando o Estado de maior riqueza e população, aqui e ali abordando temas nacionais. Mas, no começo de 2010, houve uma série de adiamentos e atropelos no lançamento oficial, com a imprensa especulando a possibilidade de uma chapa "puro sangue" com Aécio Neves, que poderia lhe dar o toque de carisma e juventude necessários. Serra terminou com um vice de pouco renome, Índio da Costa (DEM), que se revelou agressivo com as palavras e perdeu espaço.

 

Como enfrentar alguém que representa intensamente um governo cuja popularidade oscila em torno de 80% de aprovação? A campanha de Serra, sabendo contar com mais intenções de voto na população mais instruída e rica, tentou pegar emprestados alguns traços da estratégia adversária e fugir do caráter plebiscitário, da polarização PT x PSDB. O alvo era o eleitorado mais pobre, em grande parte nordestino, que nas pesquisas mostrava altíssimo índice de rejeição a Serra.

 

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Nos programas de rádio e TV, os tucanos puseram uma voz semelhante à de Lula, com rouquidão e sotaque. A pessoa ou as realizações de FHC mal apareceram. Serra fez promessas no campo social, não apenas na saúde, e chegou a definir aumentos do salário mínimo e do Bolsa-Família. Nos debates, evitou subir o tom, ensaiou gestos pausados e fala descontraída. Em termos de carisma, porém, o jogo sucessório começou e terminou empatado.

 

Aborto. Serra também tentou tocar adiante uma bola levantada por setores religiosos, que em duas semanas havia ajudado a levar a eleição para o segundo turno. Contra as declarações ambivalentes de Dilma sobre o aborto, resgatou seu passado de líder estudantil católico e posou para fotos ao lado de autoridades religiosas; sua mulher, Monica, atacou Dilma diretamente. A petista também tratou de fazer as visitas e aquietar os boatos sobre sua proposta para o tema; e viu Monica Serra ser posta de canto depois de uma aluna afirmar que ela fizera aborto no Chile.

 

Segundo as pesquisas, após a primeira semana de segundo turno, Serra não conseguiu tirar votos de Dilma. Enquanto o governo Lula assumiu bandeiras tucanas como as políticas monetária e fiscal, somando a elas um crescimento acelerado do consumo, do crédito e da assistência social, a oposição não conseguiu retomar essas bandeiras nem tirar um pedaço das novas. Com programas de governo e de marketing semelhantes, não havia como convencer a maioria de que a continuidade seria pior negócio. A poesia da campanha foi vencida pela prosa do governo.

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