Dornelles diz que não indicou Eduardo Cunha para Petrobrás

Episódio é narrado em trecho do livro Diários da Presidência, em que Fernando Henrique Cardoso diz ter recusado indicação de nome para dirigir a estatal

PUBLICIDADE

Por Luciana Nunes Leal
Atualização:

RIO - Atual vice-governador do Rio de Janeiro, o ex-senador e ex-deputado Francisco Dornelles (PP) disse nesta segunda-feira, 5, que não indicou Eduardo Cunha, hoje deputado (PMDB-RJ) e presidente de Câmara,para a diretoria comercial da Petrobrás, em março de 1996, como relata o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no livro Diários da Presidência, que será lançado pela Companhia das Letras e teve trechos antecipados pela revista piauí neste fim de semana. No livro, Fernando Henrique afirma que em 23 de março de 1996 recebeu um grupo de deputados do PPB, liderados por Dornelles, diz e que os parlamentares levaram o nome de Cunha para a Petrobrás. O tucano diz ter recusado a indicação.

PUBLICIDADE

“Na verdade o que eles querem é nomear o Eduardo Cunha diretor comercial da Petrobras! Imagina! O Eduardo Cunha foi presidente da Telerj, nós o tiramos de lá no tempo de Itamar (ex-presidente Itamar Franco) porque ele tinha trapalhadas, ele veio da época do Collor (ex-presidente Fernando Collor). Eu fiz sentir que conhecia a pessoa e que sabia que havia resistência, que eles estavam atribuindo ao Eduardo Jorge (ministro chefe da Secretaria Geral de Governo de Fernando Henrique); eu disse que não era ele e que há, sim, problemas com esse nome. Enfim, não cedemos à nomeação”, registrou Fernando Henrique na ocasião.

Dornelles disse não ter intenção de desmentir Fernando Henrique. Mas afirmou: “Tenho certeza que nunca fiz essa indicação. Não por Eduardo Cunha, gosto muito dele e o considero muito competente. Mas nunca fiz qualquer indicação para a Petrobrás. Minha relação com a Petrobrás era a mesma relação entre a Inglaterra e a Argentina na época da guerra das Malvinas. Eu não tinha nenhuma relação com a Petrobrás, nem nesta época, nem antes, nem depois, nem nunca. Eu poderia até fazer indicação para Furnas, por exemplo, mas, para a Petrobrás, nunca”.

O vice-governador Rio de Janeiro, Francisco Dornelles, ao lado do governadorLuiz Fernando Pezão Foto: Wilton Junior/Estadão

Eduardo Cunha chegou à política em 1989, quando se filiou ao PRN (Partido da Reconstrução Nacional) e passou a trabalhar no núcleo da campanha de Fernando Collor à Presidência da República. Em 1991, Cunha assumiu a presidência da Telerj, companhia telefônica do Rio de Janeiro, à época estatal. Ele deixou o cargo em 1993, já no governo Itamar Franco, depois de o Tribunal de Conas da União (TCU) apontar irregularidades em contratações de servidores, contratos e licitações.

Em 1994, Cunha filiou-se ao PPB de Dornelles, mas trabalhou na iniciativa privada até se candidatar a deputado estadual, em 1998, quando conseguiu apenas uma suplência. O hoje presidente da Câmara voltou à gestão publica em 1999, à frente da Companhia Estadual de Habitação (Cehab), nomeado pelo governador Anthony Garotinho, de quem era aliado e hoje é adversário. Cunha foi afastado do cargo em 2000, após denúncias de irregularidades.

 Em outro trecho do livro – primeiro de quatro volumes das memórias registradas com ajuda de um gravador durante todo o período em que ocupou a presidência da República, de 1995 a 2002 -, Fernando Henrique relata outro episódio relacionado ao PPB, quando o partido entrou no governo e Dornelles assumiu o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT). O então presidente lamenta ter de ceder a Dornelles o cargo de Dorothea Werneck. Fernando Henrique diz que um grupo do PPB era contrário à entrada no governo e outro queria o Ministério da Agricultura, “para fins que só Deus sabe quais, e o Dornelles é a opção mais aceitável”. Sobre a oferta do MICT ao PPB, Fernando Henrique comenta: “Isso para mim é dolorido, por causa da Dorothea, que é uma ministra de quem eu gosto, e ela tinha que ser avisada dessa manobra”.

Ao Estado, Dornelles confirmou que a primeira oferta feita pelo governo FHC ao PPB foi o Ministério da Agricultura. “Luiz Carlos Santos (líder do governo na Câmara e depois ministro de Assuntos Políticos) me procurou e convidou para ser ministro da Agricultura. Eu disse que não entendia nada deste assunto e que ele devia indicar outro nome do PPB. No outro dia o Serra (José Serra, então ministro do Planejamento) me ligou pedindo para eu aceitar a Agricultura. À tarde, me ligou o Sérgio Motta (ministro das Comunicações) e disse ‘você vai ser indicado ministro da Indústria e Comércio’ e ainda avisou que já tinha vazado a notícia para a TV Globo”, contou Dornelles ao Estado. 

Publicidade

Em seus registros, Fernando Henrique lamenta a saída de Dorothea: “Claro, eu sei que ela está magoada (…) Fui à casa da Dorothea. Eu tinha que ir (…) Dorothea é uma pessoa admirável e fui ficando com raiva de mim mesmo. Porque na verdade eu fiz a escolha de Sofia, não tinha jeito, eu sei que não tem jeito, porque ou tem o PPB, ou não passam as reformas, mas justamente em cima da Dorothea é uma coisa muito pesada para ela e para mim (…) Enfim, começo a sentir o travo amargo do poder, no seu aspecto mais podre de toma lá, dá cá (...)”.

Dornelles diz entender a angústia de Fernando Henrique na troca do MICT. “A decisão mais dura que existe na política é quando vai contra um amigo”, disse o vice-governador do Rio. “O PPB foi o partido com maior índice de apoio ao governo Fernando Henrique. Foi o grande governo que o País teve”, elogia Dornelles. 

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.