Dom Lucas ainda era cotado para ser papa

Por Agencia Estado
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Mineiro de São João del-Rei, onde nasceu em 16 de setembro de 1925, o cardeal Dom Lucas Moreira Neves era o mais velho dos dez filhos do sapateiro Telêmaco Vítor das Neves e de Margarida Moreira Neves. Parente distante do ex-presidente Tancredo Neves, cujos funerais presidiu em abril de 1985, ele sempre foi um homem fiel às suas raízes. Decorou a sala de seu apartamento em Roma, no quinto andar de um palazzo na Praça Città Leonina, com lembranças de sua terra e fotos da família, entre elas uma do casamento dos pais, que exibia com orgulho e saudade. "Meu vizinho mais próximo é o papa", brincou D. Lucas em maio, apontando para um grupo brasileiro que foi visitá-lo as janelas do Palácio Apostólico, onde mora João Paulo II, seu amigo há quase 30 anos. O cardeal já estava muito mal de saúde, diabetes e insuficiência renal, submetido a hemodiálise três vezes por semana. Mas fazia questão de ir à Basílica de São Pedro, sempre que tinha forças para isso. Na manhã de 19 de maio assistiu debaixo de chuva à cerimônia de canonização de Madre Paulina, a primeira santa brasileira. Apesar do agravamento da doença, o ex-prefeito da Congregação para os Bispos ainda continuava na lista dos papabili, os candidatos mais cotados para a sucessão do papa. "Ainda falam em meu nome?", surpreendeu-se D. Lucas, observando que não tinha mais saúde para nada. "É só uma questão de tempo", acrescentou com um sorriso triste, mas voz tranqüila, sabendo que não havia mais o que fazer. Apesar do conforto que o Vaticano lhe assegurou na aposentadoria, vivia em profunda solidão. D. Lucas renunciou ao cargo de prefeito da Congregação para os Bispos em agosto de 2000, quando uma crise aguda o levou mais uma vez para o hospital. "Não é por causa de mim, mas pelo bem da Igreja que peço demissão", disse ele a João Paulo II, repetindo o pedido 15 dias depois. O papa o dispensou em setembro, quando completou 75 anos de idade. O cardeal brasileiro, que nos últimos 11 anos havia sido arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, foi nomeado prefeito de uma das mais importantes congregações da Cúria Romana em 1998. Desde 1995 ele era presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), função que exerceu com muita firmeza, mas também grande capacidade de negociação, marca registrada de seu perfil. Moderado em questões políticas, seria exagero chamá-lo de conservador. Religioso da Ordem dos Pregadores (frades dominicanos), foi ordenado padre em 1950, quando iniciou intensa atividade pastoral trabalhando com a Juventude Universitária Católica (JUC) e com o Movimento Familiar Cristão. Apaixonado por teatro, estendeu seu apostolado aos artistas, críticos e professores. A série de livros que começou a escrever nessa época o levaria à Academia Brasileira de Letras. Não esperava ser eleito, mas vibrou de alegria quando se tornou imortal. Em 1967, D. Lucas foi nomeado bispo auxiliar de São Paulo. Trabalhou com o cardeal D. Agnelo Rossi e, em seguida, com D. Paulo Evaristo Arns. Durante o período mais duro do regime militar, foi o porta-voz da arquidiocese nas relações com a imprensa. Transferido para Roma em 1974, foi secretário da Congregação para os Bispos e do Colégio dos Cardeais. Foi aí que se aproximou ainda mais de João Paulo II, para quem pregou um retiro espiritual na quaresma de 1980.

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