Dois processos, mesmas figuras

Personagens que participaram do impedimento de Collor podem repetir o gesto em plenário

Foto do author Pedro  Venceslau
Por Pedro Venceslau e Valmar Hupsel Filho
Atualização:

hiato de 23 anos que separa os dois pedidos de impeachment acolhidos pela presidência da Câmara desde a redemocratização do País preserva alguns personagens que tiveram participação ativa no episódio que envolveu o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, e que poderão ter protagonismo semelhante este ano, ao avaliar o caso da presidente Dilma Rousseff.

Se a Comissão Especial que está sendo formada na Câmara acatar o pedido acolhido na semana passada pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por exemplo, 23 deputados que votaram o pedido de impedimento de Collor poderão repetir o gesto em plenário este ano em relação ao mandato da petista.

Collor consulta relógio para anotar horário em que assinaria a saída da Presidência, em 1992 Foto: WIlson Pedrosa|Estadão

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Um deles é o deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), decano da Casa, que votou pela derrubada de Collor e hoje se diz contra o impeachment de Dilma. Para ele, são episódios diferentes. “O caso Collor nasceu da denúncia do irmão dele”, afirma Teixeira, lembrando que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito instalada para investigar o ex-presidente rastreou contas fantasmas usadas para administrar contas pessoais dele. “O Fiat Elba foi um símbolo. Collor foi pessoal e fartamente beneficiado pela corrupção. Hoje, a corrupção não atinge a pessoa da presidente”, compara.

Presidente da CPMI que fundamentou o pedido de impeachment de Collor, Benito Gama (PTB-BA), diz que “a Operação Lava Jato é o Pedro Collor de Dilma”, em referência ao irmão que denunciou o ex-presidente. “As denúncias da Lava Jato não atingiram só a ela, mas ao PT como um todo”, diz. Em seu quinto mandato, Gama avalia que as condições políticas de Dilma neste momento são piores do que enfrentou Collor no início do processo.

“Collor não começou tão ruim como ela. Ele tinha maioria na Câmara e no Senado, e governadores fortes como ACM, Brizola, Fleury e Quércia ao seu lado”, afirma. Segundo ele, a queda dos índices econômicos e as manifestações de rua podem agravar a situação da presidente. “Foram 22 dias desde os protestos de 7 de setembro até a votação”, lembra.

Presidente do PPS, Roberto Freire também era deputado em 1992. Ele considera que a rejeições de Collor e Dilma são equivalentes. “A diferença é que a crise econômica atual é muito pior. Além disso o crime de responsabilidade está mais caracterizado com Dilma do que estava com Collor.” Ele diz ainda que a disputa política hoje é maior do que em 1992. “O isolamento do Collor facilitou o trabalho do parlamento”.

Voz dos caras-pintadas,Lindbergh Farias é senador pelo PT Foto: Maurilo Clareto|Estadão

Senado. Se for aprovado na Câmara e seguir para o Senado, o pedido de impeachment de Dilma poderá ser votado pelo próprio Collor, que passará de vítima a algoz 23 anos depois. Outro que inverterá seu papel é Lindberg Farias, que em 1992 era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e liderou os protestos contra Collor. Hoje, senador pelo PT do Rio de Janeiro, é aliado de Dilma. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ficará em situação semelhante, uma vez que apoiou Collor quando era deputado e hoje é a principal base de sustentação de Dilma na Casa. O Estado tentou contato com os três senadores, mas não obteve retorno.

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Autor do livro O Impeachment de Collor, o sociólogo Brasilium Salum, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), considera que o crime de responsabilidade imputado à presidente Dilma é uma “falta menor” que a de Collor, mas há hoje uma mal-estar social mais acentuado que no início da década de 1990. De acordo com o sociólogo, a economia tem papel central neste contexto.

Em contraponto aos deputados de oposição, Salum considera que a base de sustentação política de Dilma é mais sólida do que a de Collor. “Primeiro porque ela tem um partido, o que Collor não tinha, depois porque ela tem uma coalizão e recursos públicos para preservar esta coalizão, o que aparentemente lhe dá mais condições de resistir”, diz.

Salum observa, no entanto, que o maior risco político que a presidente poderá correr é o de perder essa coalizão. “É uma coalizão frouxa e está se anunciando que vai surgir uma nova, em torno do Michel Temer e de uma promessa de novo governo”.