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Divórcio litigioso no governo Bolsonaro faz crise política atravessar a Praça dos Três Poderes

Diante de tantas caneladas e divergências que ganham os holofotes, o Planalto ainda não conseguiu demarcar uma base de sustentação na Câmara e no Senado e não sabe com quais partidos, efetivamente, pode contar

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Foto do author Vera Rosa
Por Vera Rosa
Atualização:

Caro leitor,

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Quem está acostumado com o mundo político de Brasília conta que, nos últimos tempos, uma dica se tornou preciosa para o Palácio do Planalto manter o bom relacionamento com o Congresso. A ordem é sempre engolir sapo e, ainda por cima, pedir a receita.

O problema do governo de Jair Bolsonaro, porém, não parece ser nem de anfíbio nem de modo de preparo. Nesta primeira temporada, a crise começou cedo, com uma sangria interna, que levou à queda do então ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno. Mas, mesmo antes que a disputa entre Bebianno e o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, virasse uma queimadura de terceiro grau para o Planalto, como resumiu a deputada Joice Hasselmann, o Congresso já dava sinais de insatisfação.

Carlos Bolsonaro disse que ex-secretário-geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, mentiu sobre contatos com o presidente Foto: Reprodução Instagram/Carlos Bolsonaro e Dida Sampaio/Estadão

Para conter uma “rebelião” de aliados, inconformados com cortes de correligionários em repartições federais do segundo escalão, o Planalto já havia suspendido, por tempo indeterminado, nomeações e dispensas nos Estados, como você pode relembrar aqui.

Tudo era para ser resolvido após a volta de Bolsonaro, que ficou 17 dias internado no Hospital Albert Einstein, mas o filho “Carluxo" virou a mesa. Desafeto de Bebianno por causa de uma briga antiga, envolvendo o comando da comunicação do governo, o “zero dois” de Bolsonaro decidiu derrubar o homem que coordenou a campanha do pai. Atirou no que viu, mas o divórcio litigioso pode ter puxado um fio da meada cheio de nós.

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Em um governo com articulação capenga, no qual titulares muitas vezes são tratados como reservas, filhos do presidente dão ordens e um ex-ministro, movido pelo ódio, põe a boca no trombone e comete inconfidências para provar que não era “mentiroso”, tudo se perde em futricas, como mostrou o editorial do Estado.

Mas a pergunta que fica é: nesse clima de animosidade, como se pode construir no Congresso o apoio para projetos prioritários, como a reforma da Previdência e o pacote de Sérgio Moro

Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, recebe o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para um café da manhã no dia de apresentação do pacote de alterações no Código Penal Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Diante de tantas caneladas e divergências que ganham os holofotes, o Planalto ainda não conseguiu demarcar uma base de sustentação na Câmara e no Senado e não sabe com quais partidos, efetivamente, pode contar. Nesta terça-feira, 19, por exemplo, o governo sofreu sua primeira derrota na Câmara, quando deputados aprovaram um projeto que susta os efeitos de um decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, alterando as regras da Lei de Acesso à Informação. A “rasteira” foi interpretada como um recado de que o governo precisa melhorar - e muito - sua interlocução com o Legislativo.

Dividida e à procura de espaço, até mesmo a bancada do PSL, sigla de Bolsonaro, teme que a crise amplificada pela demissão de Bebianno atravesse a Praça dos Três Poderes e contamine outras votações no plenário.

Se a nova direção do governo não engrenou até hoje, o Congresso não deixa por menos no quesito produtividade. Se antes o discurso era o de que todos estavam à espera de Bolsonaro, agora, com tanta confusão, há um sentimento de que é melhor deixar tudo o que for importante para depois do carnaval. Mesmo assim, no Senado, há quem ameace  ressuscitar mais adiante a chamada “CPI da Lava Toga”, sob o argumento de que é preciso investigar possíveis “excessos” cometidos por tribunais superiores – leia-se Supremo Tribunal Federal (STF). 

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Amigos para sempre?Trégua do STF de Toffoli e o governo Bolsonaro Foto: Adriano Machado/Reuters

A CPI foi enterrada, mas vira-e-mexe alguém tenta desarquivar o requerimento para sua criação. “Pode estar se criando aqui um clima de guerra, de hostilidade entre os Poderes”, disse o tucano Tasso Jereissati, que retirou a assinatura do pedido para abertura da CPI. “Não tem sentido agora todo mundo ficar fazendo o que é bom para as redes sociais", emendou ele.

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Na prática, Bolsonaro pode até contar com as redes para impulsionar a aprovação de medidas anunciadas pelo ministro da Justiça, como a criminalização do caixa 2 nas campanhas e a prisão após condenação em segunda instância. São carros-chefes do pacote de Moro, para os quais os políticos torcem o nariz, embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diga que não.

Será muito difícil, no entanto, ter esse apoio popular para promover mudanças na aposentadoria. Mesmo com toda a estratégia de comunicação montada para embalar a reforma da Previdência com o laço da “proteção social”, não haverá receita que dê jeito se Bolsonaro continuar governando pelo Twitter.

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