Caro leitor,
Quem está acostumado com o mundo político de Brasília conta que, nos últimos tempos, uma dica se tornou preciosa para o Palácio do Planalto manter o bom relacionamento com o Congresso. A ordem é sempre engolir sapo e, ainda por cima, pedir a receita.
O problema do governo de Jair Bolsonaro, porém, não parece ser nem de anfíbio nem de modo de preparo. Nesta primeira temporada, a crise começou cedo, com uma sangria interna, que levou à queda do então ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno. Mas, mesmo antes que a disputa entre Bebianno e o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, virasse uma queimadura de terceiro grau para o Planalto, como resumiu a deputada Joice Hasselmann, o Congresso já dava sinais de insatisfação.
Para conter uma “rebelião” de aliados, inconformados com cortes de correligionários em repartições federais do segundo escalão, o Planalto já havia suspendido, por tempo indeterminado, nomeações e dispensas nos Estados, como você pode relembrar aqui.
Tudo era para ser resolvido após a volta de Bolsonaro, que ficou 17 dias internado no Hospital Albert Einstein, mas o filho “Carluxo" virou a mesa. Desafeto de Bebianno por causa de uma briga antiga, envolvendo o comando da comunicação do governo, o “zero dois” de Bolsonaro decidiu derrubar o homem que coordenou a campanha do pai. Atirou no que viu, mas o divórcio litigioso pode ter puxado um fio da meada cheio de nós.
Em um governo com articulação capenga, no qual titulares muitas vezes são tratados como reservas, filhos do presidente dão ordens e um ex-ministro, movido pelo ódio, põe a boca no trombone e comete inconfidências para provar que não era “mentiroso”, tudo se perde em futricas, como mostrou o editorial do Estado.
Mas a pergunta que fica é: nesse clima de animosidade, como se pode construir no Congresso o apoio para projetos prioritários, como a reforma da Previdência e o pacote de Sérgio Moro?
Diante de tantas caneladas e divergências que ganham os holofotes, o Planalto ainda não conseguiu demarcar uma base de sustentação na Câmara e no Senado e não sabe com quais partidos, efetivamente, pode contar. Nesta terça-feira, 19, por exemplo, o governo sofreu sua primeira derrota na Câmara, quando deputados aprovaram um projeto que susta os efeitos de um decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, alterando as regras da Lei de Acesso à Informação. A “rasteira” foi interpretada como um recado de que o governo precisa melhorar - e muito - sua interlocução com o Legislativo.
Dividida e à procura de espaço, até mesmo a bancada do PSL, sigla de Bolsonaro, teme que a crise amplificada pela demissão de Bebianno atravesse a Praça dos Três Poderes e contamine outras votações no plenário.
Se a nova direção do governo não engrenou até hoje, o Congresso não deixa por menos no quesito produtividade. Se antes o discurso era o de que todos estavam à espera de Bolsonaro, agora, com tanta confusão, há um sentimento de que é melhor deixar tudo o que for importante para depois do carnaval. Mesmo assim, no Senado, há quem ameace ressuscitar mais adiante a chamada “CPI da Lava Toga”, sob o argumento de que é preciso investigar possíveis “excessos” cometidos por tribunais superiores – leia-se Supremo Tribunal Federal (STF).
A CPI foi enterrada, mas vira-e-mexe alguém tenta desarquivar o requerimento para sua criação. “Pode estar se criando aqui um clima de guerra, de hostilidade entre os Poderes”, disse o tucano Tasso Jereissati, que retirou a assinatura do pedido para abertura da CPI. “Não tem sentido agora todo mundo ficar fazendo o que é bom para as redes sociais", emendou ele.
Na prática, Bolsonaro pode até contar com as redes para impulsionar a aprovação de medidas anunciadas pelo ministro da Justiça, como a criminalização do caixa 2 nas campanhas e a prisão após condenação em segunda instância. São carros-chefes do pacote de Moro, para os quais os políticos torcem o nariz, embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, diga que não.
Será muito difícil, no entanto, ter esse apoio popular para promover mudanças na aposentadoria. Mesmo com toda a estratégia de comunicação montada para embalar a reforma da Previdência com o laço da “proteção social”, não haverá receita que dê jeito se Bolsonaro continuar governando pelo Twitter.
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