Quarentena, restrição a pesquisas e mudança na ficha limpa: entenda o novo Código Eleitoral

As propostas fazem parte de um movimento que pode culminar na maior e mais impactante reforma político-eleitoral desde a redemocratização e quase sem participação popular

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Por Cássia Miranda
Atualização:

Articulação feita pelo Centrão e partidos da esquerda garantiu que a Câmara dos Deputados retincluísse no texto do Código Eleitoral a regra que prevê quarentena obrigatória para juízes, membros do Ministério Público, guardas municipais, militares e policiais que quiserem disputar as eleições a partir de 2026. Na versão aprovada na quarta-feira, 15, o prazo para os candidatos se afastarem de suas funções ficou de quatro anos e não mais de cinco, como estava previsto originalmente no projeto. Para valer, o projeto ainda precisa passar pelo Senado. O dispositivo havia sido retirado do Projeto de Lei Complementar 112/21 no último dia 9 de setembro, a partir de uma emenda apresentada pelo PSL.

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Ao todo, 279 deputados foram faviráveis à quarentena e 211 foram a contra. PSL, Podemos, Novo, PSOL e PV foram contra. A medida barraria eventual candidatura do ex-juiz Sérgio Moro à Presidência e de centenas de militares com ambições eleitorais no próximo pleito. 

Sob relatoria da deputada Margarete Coelho (Progressistas-PI), o texto reúne mais de 900 artigos em 371 páginas. O projeto consolida em redação única todas as regras atuais que definem o funcionamento dos partidos e do sistema eleitoral. Para ser válido já nas eleições de 2022, o PL, que ainda precisará ser analisado no Senado, deve estar sancionado até outubro.

Plenário da Câmara dos Deputados Foto: Dida Sampaio|Estadão

As propostas em tramitação fazem parte de um movimento que busca realizar a maior e mais impactante reforma político-eleitoral desde a redemocratização. Mudanças pontuais são debatidas de maneira recorrente desde 1996, quando a primeira comissão especial foi instalada na Câmara para reformar a legislação eleitoral vigente à época.

De lá pra cá, outros 15 grupos semelhantes (excluindo os três atuais) definiram, por exemplo, o fim da doação empresarial para campanhas, a criação dos fundos públicos de financiamento, a exigência de ficha limpa e o fim das coligações proporcionais, entre tantas outras. Mas nunca um conjunto grande de mudanças de uma só vez.

Em agosto, a Câmara já aprovou em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/11, que trata da reforma eleitoral, e permitiu, entre outros pontos, a volta da coligação partidária nas eleições proporcionais (deputados e vereadores) a partir de 2022. O texto é um substitutivo da deputada Renata Abreu (Podemos-SP).

A matéria será enviada ao Senado e precisa ser sancionada antes do começo de outubro para já valer para o pleito do ano que vem. Segundo declaração do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a volta das coligações partidárias não deve prosperar, pois trata-se de "retrocesso." As coligações proporcionais foram extintas pelo Congresso em 2017. APEC da reforma eleitoral foi aprovada por um placar de 347 votos a favor, 135 contra e três abstenções. Em agosto, a Câmara rejeitou a adoção do chamado "distritão".

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Segundo especialistas, os temas são tão significativos que seriam dignos de uma Constituinte. Isso porque além das frentes abertas pela Câmara, uma minireforma eleitoral aprovada pelo Senado mês passado pode receber o aval dos deputados até outubro. E ela prevê, por exemplo, o fim da obrigatoriedade de os partidos destinarem ao menos 30% dos recursos a que têm direito dos fundos públicos de financimento de campanhas para mulheres.

Veja abaixo os principais pontos da reforma político-eleitoral:

Código eleitoral (Câmara):

O Projeto de Lei Complementar 112/21, comandado pela relatora Margarete Coelho, é uma promessa de campanha do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressitas-AL). A proposta reúne todas as regras atuais que definem o funcionamento dos partidos e do sistema eleitoral, para unificar tudo em uma redação única. Para isso, revoga todos os artigos e demais leis relacionadas às eleições.

Deputada federal Margarete Coelho (PP-PI). Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados

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A nova versão do Código Eleitoral, aprovada em 15 de setembro, reincluiu no texto a necessidade de servidores integrantes das guardas municipais, das polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, polícias civis, magistrados e membros do Ministério Público se afastarem definitivamente de seus cargos e funções até quatro anos anteriores ao pleito. 

Até as eleições de 2026, vale o afastamento pela regra geral, em 2 de abril do ano eleitoral. “Quando a Constituição veda a filiação partidária, de uma forma ou de outra abre uma fenda para que haja, realmente, limitações de direitos políticos dessas categorias”, disse a relatora.

Entre os destaques aprovados na nova versão está um do PT, que retirou a possibilidade de o mandatário mudar de partido sem penalidades no mês de março de cada ano eleitoral, a chamada janela de mudança de partido. Portanto, continua valendo apenas a janela dos 30 dias anteriores ao prazo de filiação partidária.

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Um dos pontos mais polêmicos do texto muda as regras atuais sobre como os partidos, que recebem dinheiro público, devem prestar contas à Justiça Eleitoral. Atualmente, existe um sistema criado especialmente para isso no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA)

O novo projeto, no entanto, altera essa divulgação e passa a prever que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal. Também reduz o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos, de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”.

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Outro ponto polêmico do texto diz respeito à proibição da divulgação de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das disputas, sob o argumento de que isso poderia ter efeitos sobre o voto do eleitor no momento mais próximo de sua decisão.

Há também, entra as mudanças, alteração no entendimento de crime eleitoral em dia de votação e das pemissões de campanha. Uso de alto-falantes, aglomerações, boca de urna e transporte irregular de eleitores passam a ser infrações cíveis; a volta da propaganda obrigatória dos partidos na televisão; a alteração do período de inelegibilidade pela Lei da Ficha Limpa (o prazo de oito anos começará a contar a partir da condenação e não mais após o cumprimento da pena).

Caso seja aprovado na Câmara, a proposta segue para análise no Senado. Para valer nas eleições de 2022, tem de ser promulgado até o início de outubro.

Voto impresso (Câmara):

A adoção do voto impresso é uma bandeira do bolsonarismo que estava materializada na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF). A PEC não previa acabar com a urna eletrônica, mas incluir na Constituição Federal um artigo que tornava obrigatória a impressão de comprovantes físicos de votação.

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Com isso, o eleitor poderia conferir se o recibo em papel coincide com o que digitou e o resultado da votação, caso contestado, poderia ser auditado por meio de contagem.

O parecer do relator, o deputado Filipe Barros (PSL-PR) foi rejeitado, por 23 a 11, e a proposta arquivada, por 22 a 11, pela comissão especial em que estava sendo analisada. No entanto,em 9 de agosto, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) incluiu na pauta de votação do plenário da Casa a PEC 135/19, que precisava do apoio de ao menos 308 dos 513 deputados, mas obteve apenas 229 votos favoráveis e 218 contra, além de uma abstenção.

Distritão (Câmara):

Rejeitado pela Câmara em duas outras oportunidades, o chamado “distritão”, modelo no qual se elege os mais votados por Estado, voltou à pauta da Casa em proposta da relatora Renata Abreu (Podemos-SP), sob o argumento de que o tema apresenta uma forma mais simples de a população escolher seus representantes. 

No "distritão", Estados e municípios são transformados em distritos eleitorais, nos quais são eleitos os candidatos mais votados, independentemente dos partidos ou coligações. Na prática, vence quem tem mais voto. No sistema proporcional, válido hoje, as cadeiras são distribuídas segundo o desempenho de partidos ou coligações.

Em 10 de agosto, a comissão especial aprovou por 22 a 11 o relatório da deputada Renata Abreu. No entanto, dois dias depois, em votação a jato no plenário da Câmara,  o “distritão” foi rejeitado por 423 votos a 35.

Coligações (Câmara):

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Como parte do acordo para derrubar o "distritão", o plenário aprovou a volta das coligações partidárias, extintas em 2017, para as eleições proporcionais a partir do ano que vem. 

O retorno das coligações teve placar de 333 votos a favor e 149 contra, com quatro abstenções, em primeiro turno e de 347 votos a favor, 135 contra e três abstenções, no segundo turno. O mínimo necessário era de 308 votos a favor.

A pauta não deve prosperar no Senado, para onde seguirá agora e precisa ser votada, em dois turnos, com um mínimos de 49 votos favoráris para ser aprovado. Para valer já em 2022, precisa ser promulgado antes do começo de outubro (um ano antes das eleições).

Como mostrou o Estadão, na lista dos parlamentares que chancelaram o retorno das coligações há um grupo de 116 deputados que em 2017 votou a favor de medida exatamente oposta, para acabar com esse modelo de alianças.

Cláusula de barreira (Câmara):

Durante a votação dos destaques, deputados barraram a tentativa de dar mais uma chance para que partidos vençam a cláusula de barreira. Um requerimento retirou da proposta o dispositivo que livrava dessa cláusulapartidos que conseguiram eleger ao menos cinco senadores. A mesma regra valeria se, na data da eleição, a sigla tivesse uma bancada de cinco senadores.

Incluído na proposta por sugestão da deputada Renata Abreu, o mecanismo foi criticado por distorcer a regra, já que o mandato na Câmara pertence ao partido, enquanto no Senado é do parlamentar. Se esse trecho da reforma não tivesse sido derrubado, os senadores poderiam mudar de partido, sem risco de punição ou perda do mandato, para que as legendas conseguissem atingir o número mínimo estabelecido e, assim, receber verbas milionárias do Fundo Partidário e ter acesso à propaganda eleitoral no rádio e na televisão .

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Federações partidárias (Câmara):

Em 12 de agosto, os deputados aprovaram o Projeto de Lei 2522/15, que permite aos partidos políticos se unirem em uma federação. Desta forma, as siglas podem atuar como uma só legenda nas eleições e na legislatura. Como o projeto vem do Senado, e foi aprovado na Casa no mês passado, a matéria agora será enviada à sanção presidencial.

De acordo com o texto, os partidos devem permanecer na federação por um mínimo de quatro anos. Aquele que descumprir a regra não poderá acessar o Fundo Partidário até o fim do prazo, além de não poder participar de coligações nas duas eleições seguintes. Segundo o projeto, perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra uma federação.

A proposta que permite a "união" entre partidos para atuação como legenda única foi aprovada por 304 votos a 119. Na prática, as federações vão ajudar partidos a alcançar a cláusula de barreira.

O texto, que estava em tramitação no Senado desde 2015, permite que siglas com afinidade ideológica e programática se juntem em eleições, sem que seja necessário fundir os diretórios. Para que entre em vigor nas próximas eleições, o texto deve ser sancionado até outubro.

Diferentemente das coligações eleitorais, as federações não encerram seu funcionamento comum terminado o pleito", segundo o relator da proposta, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE).

​Minirreforma eleitoral (Senado):

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Aprovada pelos senadores em 14 de julho, a minirreforma eleitoral interfere diretamente na participação da mulher na política. Isso porque absolve os partidos políticos que não cumprirem as cotas de gênero e de raça que funcionaram nas últimas eleições. Além disso, reserva cadeiras femininas nos Legislativos (18% em 2022, chegando a 30% em 2038), mas retira a exigência de que os partidos lancem ao menos 30% de candidatas mulheres.

A minirreforma também desobriga a destinação de recursos de campanha e tempo de propaganda proporcionais ao número de candidatas (desde que não seja inferior a 30%). O projeto segue para a Câmara dos Deputados. Assim como os demais, para valer nas eleições de 2022, tem de ser promulgado até o início de outubro.