Dirceu e Aloysio passam 1968 em revista

Na conversa, eles concluem que luta armada foi um equívoco

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

A sala era pequena e escura e nela viveram, e apanharam, muitos militantes da esquerda durante o regime militar. Quarenta anos depois, a antiga cela úmida do Dops paulista - hoje transformado no Memorial da Resistência, em São Paulo - recebeu ontem quatro desses velhos hóspedes, para reavaliarem como foram os seus dias e meses de chumbo. Reunidos pela TV Brasil para um novo programa - Caminhos da Reportagem, que estreará dentro de duas ou três semanas - o ex-ministro José Dirceu, o secretário da Casa Civil Aloysio Nunes Ferreira Filho, o militante verde Alfredo Sirkis e a professora aposentada Maria Cláudia Arruda, a Cauê, disseram que a luta armada contra os militares foi um equívoco. Que o Brasil aprendeu desde então a dar valor à democracia. E que a juventude de hoje é muito mais livre, mas sua vida não está melhor. Que peso teve, para eles, a vida na prisão? "Havia interrogatórios exaustivos, mas minha turma não foi torturada", avisou José Dirceu, que por um breve tempo ali esteve, ao lado de militantes como Luiz Travassos, Wladimir Palmeira, o hoje ministro Franklin Martins, entre outros . "Eles nos usavam como propaganda para dizer que não havia tortura no Brasil", explicou o ex-ministro. "Entre 1964 e 68 a coisa foi relativamente suave", prosseguiu Aloysio. "A gente sempre podia recorrer a alguém do MDB, até a gente da Arena, e existia o habeas-corpus. Depois de 68 é que a coisa ficou feia. De qualquer modo, existia sempre um sentimento de precariedade, muitos sentiam sua vida presa por um fio." Sirkis foi avisando: tinha só 16 anos na época, e apenas militou no movimento estudantil, como secundarista. "Um dia, porém, troquei o retrato do John Kennedy, no meu quarto, pelo de Che Guevara. Meu pai achou que eu tinha enlouquecido. Mas quando veio o Ato 5, eu tive que sumir, pra não ser preso." A conclusão, por Dirceu: "A prisão é como tudo na vida. Aparecem qualidades e defeitos de todo mundo. Você partilha grandes ideais e briga com o companheiro que quer deixar a luz acesa." E uma advertência: "Com a vida, nós mudamos. Mas não mudamos de lado." A conclusão dos quatro, sem grandes polêmicas, foi que a resistência armada e a guerrilha constituíram um grave erro de avaliação das esquerdas. "Foi um erro trágico de avaliação sobre o País e o espírito do povo brasileiro", admitiu Aloysio. E Dirceu reforçou: "Evidente que cometemos grandes equívocos. Não soubemos combinar o ideal com os interesses sociais. Fizemos até campanha pelo voto nulo em 1968..." Sirkis arriscou sua definição: "O que ficou mesmo, de 68, foi a revolução cultural e comportamental". A professora aposentada Cauê atravessou: "Discordo. As apostas que fizemos então é que foram transformadas em outros modos de atuar. Não me parece que o enfoque político tenha sido secundário." A essa altura deu-se uma breve batalha partidária entre o petista Dirceu e o tucano Aloysio. Este ponderou que "o que ficou mesmo foi o reconhecimento do valor da democracia e sua incorporação à vida do País". Dirceu emendou que "o PT foi a confirmação dessa realidade". O tucano não gostou: "Sim, mas o PT demorou a apostar na institucionalidade. Nem aceitou assinar a Constituição em 88". É possível comparar a juventude de então com a de hoje? "Os de hoje são mais felizes. Têm uma vida mais livre, mais informação, mais acesso à internet..." resumiu Aloysio. "Então eu devo ser uma velhinha maluca", replicou Cauê. "O fato é que nós vivemos uma vida plena, eu até chamaria de lírica. A gente estava ligada ao mundo, fazendo parte da história. Não acho que hoje o jovem esteja melhor. Ao contrário, o que vemos é insegurança quanto ao futuro e muitos jovens de 30 anos ainda dependendo dos pais e sem arrumar emprego."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.