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Desconfiado, Lula agora centraliza as decisões

Presidente que toma posse nesta segunda-feira é um homem muito diferente daquele que subiu a rampa do Palácio do Planalto há exatos quatro anos

Por Agencia Estado
Atualização:

Quinze quilos mais magro, cabelos e barba mais grisalhos e calejado pela sucessão de crises, o presidente que vai tomar posse nesta segunda-feira, pela segunda vez consecutiva, é um homem muito diferente daquele que subiu a rampa do Palácio do Planalto há exatos quatro anos. Sem os escudeiros que o acompanharam por mais de duas décadas, Luiz Inácio Lula da Silva perdeu um bom pedaço das ilusões: é agora um político desconfiado, que centraliza as decisões e está disposto a comprar briga até com a equipe econômica para reforçar o estilo "pai dos pobres" de administrar no novo mandato. Embalado por cerca de 58 milhões de votos, Lula encarnou tanto o figurino criado sob medida para o ex-presidente Getúlio Vargas que hoje prefere dizer que vai "cuidar" da população. Aos 61 anos, o primeiro operário que chegou à Presidência julga ter uma dívida com os mais humildes depois de ser reconduzido ao Planalto com forte apoio popular em meio à avalanche de denúncias de corrupção que desbotaram a bandeira da ética petista. Quer, por isso, imprimir fisionomia mais social ao seu governo. No auge da crise do mensalão, no ano passado, quando a oposição o ameaçava até com impeachment, Lula parecia acuado e na defensiva. Um dia reagiu. "Não pensem esses caras que vão me tirar o mandato. Eles não sabem o que é a minha relação com o povo", esbravejou. Dirigentes dos movimentos sociais foram então chamados a Brasília para organizar a tropa do presidente. A oposição, sem respaldo, recuou. Gastos Ao contrário do que ocorria em sua estréia no Executivo, em 2003, quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, puxava o freio, Lula não aceita mais os argumentos de que não pode gastar porque as contas não fecham. "Nós vamos fazer, mais uma vez, contenção de gastos em cima dos pobres?", perguntou ele dia 23, ao participar da cerimônia antecipada de Natal com catadores de papel, em São Paulo. "Não vamos fazer. Não foi para isso que eu fui eleito." Aos poucos auxiliares que o alertam sobre os perigos das tentações do segundo mandato, o presidente não esconde a irritação. ´Deixa a elite criticar´, diz. ´Hoje eu já sei onde as coisas emperram.´ Repete como mantra que é preciso ´destravar´ as amarras do crescimento. Até agora, porém, não apresentou as soluções. Com o impacto de R$ 1,1 bilhão provocado pelo aumento do salário mínimo para R$ 380 e a correção na tabela do Imposto de Renda, ele mandou a equipe refazer as contas do pacote que prevê desoneração de investimentos em obras de infra-estrutura, como estradas e portos. "Se é verdade que o diabo veste Prada, ele também mora nos detalhes", brinca o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, ao mencionar as infinitas cobranças de Lula e os sucessivos adiamentos do pacote de investimentos. "Tremei, ministros: depois de quatro anos, o presidente está se tornando muito mais exigente." Independência Em conversas reservadas, amigos de Lula preocupam-se com sua tendência de apostar no próprio poder de convencimento para fechar acordos em todas as áreas: da economia à negociação com os partidos para o governo de coalizão. Observam que o método não só expõe demais o presidente como embute riscos e pode pôr o governo em maus lençóis. Na seara política, por exemplo, a base aliada em frangalhos já escancarou o racha ao lançar dois candidatos à presidência da Câmara: os deputados Aldo Rebelo (PC do B-SP), candidato à reeleição, e o líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Na prática, desde a crise que fez desabar a cúpula do PT e provocou um rastro de baixas na Esplanada, Lula passou a assumir a coordenação do governo. Não foi só: restringiu o seu círculo de amigos e o hábito de delegar tarefas. Consulta muitos, mas decide tudo sozinho. A mudança começou durante a agonia do chefe da Casa Civil, José Dirceu, o poderoso ministro que domou o PT por oito anos, comandou a campanha de 2002 e foi abatido em junho do ano passado. As quedas que vieram depois, principalmente a de Palocci, aguçaram seu interesse por áreas que ultrapassam as fronteiras políticas.

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