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Derrota no voto impresso está longe de ser pior placar do governo na Câmara

PEC teve 218 votos contrários e 229 a favor — menos que os 308 necessários; plenário já impôs resultados mais adversos ao Planalto

Foto do author André Shalders
Por André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA — Na noite desta terça-feira, dia 10, o plenário da Câmara dos Deputados impôs uma das maiores derrotas políticas ao presidente Jair Bolsonaro desde o início de seu mandato. A proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso teve 218 votos contrários e 229 a favor — menos que os 308 necessários. Uma análise das votações nos últimos dois anos e meio mostra, porém, que o placar está longe de ser o mais adverso já registrado na gestão Bolsonaro.

Desde 1º de janeiro de 2019, o plenário da Câmara dos Deputados teve 946 votações em que o líder do governo de plantão registrou uma orientação à base aliada: sim ou não. Em cada uma dessas votações, uma parte dos deputados votou contra o que pediu o governo — tanto deputados da oposição quanto, eventualmente, aliados do governo. Com 218 votos contrários, a PEC do Voto impresso fica em 46º lugar nesse ranking. Ou seja, o plenário da Câmara já impôs placares piores ao governo 45 vezes antes.

O presidente Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Como mostrou o Estadão, a gestão atual é marcada pela fragilidade política: Bolsonaro é o presidente que menos aprovou projetos no Congresso. Mesmo com a articulação precária, derrotas em plenário são relativamente raras. Desde janeiro de 2019, a quantidade de votos contrários à orientação do governo só superou a de votos favoráveis em 52 casos. Em 344 das votações, foram menos de 50 votos contra a orientação governista, o que indica que eram votações de consenso entre apoiadores do Planalto e os principais partidos adversários.

Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, vários fatores podem ter contribuído para suavizar a derrota no painel da Câmara, inclusive a liberação massiva de emendas parlamentares para congressistas: Bolsonaro é o presidente que mais pagou este tipo de recurso desde 2003, com R$ 41,1 bilhões desembolsados até agora.

O salto nos pagamentos se deve ao uso das emendas de relator, que estão na base do caso do orçamento secreto revelado pelo Estadão. Foram R$ 8,34 bilhões em 2020 e mais R$ 4,5 bilhões este ano. O dinheiro é liberado conforme a conveniência política do governo e sem transparência sobre quem indicou o quê, ao contrário do que acontece com os outros tipos de emendas.

Desde o começo da semana, políticos de oposição e do governo esperavam um placar ruidoso contra a PEC do Voto Impresso, o que não se concretizou. Minutos após o anúncio do resultado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), voltou a defender a mudanças que possam aumentar a “transparência e a auditagem” dos votos, embora o sistema atual já tenha inclua diversas formas de auditoria. Na manhã desta quarta-feira, dia 11, o presidente Jair Bolsonaro disse que o resultado mostraria que metade da Câmara “não acredita” na lisura das eleições.

De acordo com um ministro de Estado envolvido na articulação política do governo, o placar surpreendeu positivamente o Planalto — que esperava que a proposta tivesse entre 100 e 150 votos favoráveis. Segundo o ministro, ouvido em reserva pelo Estadão, o governo não teria “trabalhado” pela proposta. Isto é, não reforçou o pedido de apoio aos partidos da base.

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O ministro também rechaçou a ideia de que o projeto teria mostrado que não há votos para o impeachment: na opinião dele, o tema não está posto, nem mesmo na agenda dos principais partidos de oposição. Por isso, a votação de ontem não teria “nada a ver” com um possível processo de impeachment de Jair Bolsonaro.

Mesmo se articulação política do governo não tiver se empenhado tanto a favor da PEC do voto impresso, Jair Bolsonaro se mobilizou pessoalmente a favor da proposta. Segundo apurou o Estadão, partiu do presidente, por meio do ministro Braga Netto (Defesa), a exigência de que a Marinha fizesse o desfile com carros de combate e tanques de guerra na Praça dos Três Poderes, na manhã de terça, com a finalidade de impressionar os congressistas. Ativistas pró-governo nas redes sociais também se mobilizaram para pressionar os deputados a votar a favor do projeto.

Verbas e cargos podem ter ajudado, diz analista

Na avaliação da cientista política Beatriz Rey, é perigoso fazer inferências sobre o comportamento dos deputados a partir do resultado da votação de terça-feira. O placar não permitiria dizer se há ou não votos suficientes para o impeachment, por exemplo. “Os comportamentos dos atores (deputados) não necessariamente vão ser os mesmos do que aconteceu ontem”, diz ela.

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Segundo Beatriz, que é doutora em ciência política e pesquisadora da universidade Johns Hopkins em Baltimore (EUA), alguns fatores podem ter contribuído para que um placar muito negativo para o governo não acontecesse — inclusive a liberação de verbas para os deputados por meio das emendas de relator, que estão na base do orçamento secreto.

“Existe um esforço recente do presidente Jair Bolsonaro de tentar costurar uma rede de apoio no Congresso. Isso foi feito com a vinda do (senador) Ciro Nogueira para o governo e também com a distribuição de emendas, inclusive via orçamento secreto. Pode ser que isso já esteja dando resultado, e que os deputados tenham mostrado apoio por ser uma pauta do presidente da República”, diz ela, que é especialista em política legislativa.

“O fato de muitos deputados terem votado contra a orientação dos partidos pode estar relacionado a isto, uma vez que a articulação do Bolsonaro com o Congresso não é feita via partidos, e sim de forma pulverizada”, diz Beatriz.

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“Outra explicação é uma possível articulação do presidente da Câmara, Arthur Lira, para reduzir o tamanho da derrota para o presidente da República. Mostrar um placar que não fosse uma derrota clara para diminuir a frustração do presidente da República e não impactar tanto a relação entre Lira e Bolsonaro”, diz ela. A cientista política cita ainda o assédio aos congressistas nas redes sociais como uma terceira razão possível.

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