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Derrame de dinheiro falso chega a 1 milhão de cédulas

Por Agencia Estado
Atualização:

Vistoriar cada cédula de real que recebe virou rotina na vida do gerente de turismo Rômulo Pereira de 52 anos, desde o dia que passou por uma situação constrangedora em um posto na Rua Colômbia, no Jardim Paulista. Uma das notas de R$ 50,00 que seriam usadas para pagar o combustível foi identificada como falsa pelo frentista. Ao ter o valor devolvido, Pereira olhou o dinheiro contra a luz. Ele parecia igual à outra nota, mas não era. Tratava-se de mais um caso de falsificação. O Estado de São Paulo concentra 40% das ocorrências do gênero, segundo o Banco Central. Mais de um milhão de notas falsas foram apreendidas no País nos últimos três anos. "Nos Estados Unidos se você paga com uma nota de cem dólares o funcionário examina o dinheiro até a exaustão, amassa, olha a linha d´água, passa um lápis e só faz a cobrança quando tem certeza", diz Pereira. "Tentei convencer o frentista. Não adiantou. Tive de completar com um cheque." O gerente tinha sacado o dinheiro um dia antes no banco. Ficou irritado. "Fui ao banco e a nota era mesmo falsa. Só que o banco não trocou por uma verdadeira." Do dinheiro apreendido pelo Banco Central, a cédula mais falsificada é a de R$ 10, com 55% dos casos. A de R$ 50 atinge de 35% a 45%. Os falsários também estão adulterando a cédule de R$ 10 feita de polímero (plástico). Mesmo com toda a perícia dos criminosos, os técnicos do Departamento do Meio Circulante do BC afirmam que 60% das falsificações poderiam ser evitadas se o brasileiro procurasse a marca d´água olhando contra a luz. Isso pode ser muito útil não só para evitar constrangimentos, mas para não ter problemas com a polícia. Quem tenta comprar com cédula falsa, mesmo que de boa fé, corre o risco de passar até dois anos na cadeia, segundo o delegado Manoel Camassa, da Delegacia de Estelionatos. Ele orienta que a pessoa procure o Banco Central assim que desconfiar da veracidade da nota. "Infelizmente, no Brasil ninguém tem o costume de observar o dinheiro que recebe e carrega no bolso." Hoje, além de olhar bem as notas, Pereira prefere pagar suas contas com cartão de crédito quando viaja aos Estados Unidos, a passeio ou a trabalho. Lá, troca os traveller checks por notas de US$ 10 e US$ 20, para evitar a suspeita das lojas norte-americanas sobre os brasileiros. Fila Dono de uma padaria na zona norte da capital, Luiz Leontino recebeu este ano cinco notas falsas: duas de R$ 50 e três de R$ 10. "Meus caixas estão orientados para examinar o dinheiro. Mas quando o movimento é grande, com filas no caixa, não dá para ficar olhando nota por nota e é aí que os malandros passam o falso." Português de Évora, Leontino tem outras quatro padarias, duas na capital e duas na Grande São Paulo, e está pensando em levar seus empregados do caixa para um curso de identificação no Banco Central. Os postos de serviço e os restaurantes nas margens das estradas também são vítimas costumeiras dos falsários. O empresário Júlio Terino, dono de um posto de serviços e de um restaurante na Rodovia Anhangüera, perto de Campinas, coleciona várias cédulas falsas, a maioria de R$ 10. Além do combustível e de servir refeições, vende doces, biscoitos e pães. "Na tarde de domingo, o movimento é grande na volta para a capital e na segunda-feira a gente sempre pega uma ou duas notas falsas." No começo, tentou trocar o dinheiro falsificado no Banco Central. Foi avisado que não seria possível. "Desisti. A gente até brinca quando faz o caixa para ver quem vai descobrir a nota fria." Treinamento Gerente regional do Meio Circulante do Banco Central, em São Paulo, Leon Alfonsin Valiengo diz que empresas, bancos e associações comerciais estão recebendo treinamento para reconhecer o dinheiro falso. Ele garante que o BC também está aberto para quem quer ver as cédulas e as moedas falsificadas e notar as diferenças. De acordo com Valiengo, muitos comerciantes dizem que as pessoas se ofendem quando as notas passam por exame mais rigoroso. Para evitar o grande número de falsificações, o BC está realizando uma campanha ampla, para atingir o público em geral. "Estamos distribuindo em quatro estações do metrô folhetos de bolso orientando como as pessoas devem examinar o dinheiro." Segundo o gerente, o banco ainda pretende montar quiosques em locais movimentados, onde técnicos possam dar esclarecimentos sobre as notas e as moedas. Valiengo diz que as pessoas devem conferir a marca d´água, a imagem latente, o registro coincidente e a textura áspera do papel. "A cédula de polímero (plástico) falsificada é grosseira e mesmo assim as pessoas acabam recebendo sem perceber." Jantar A publicitária Júlia Reinoso, de 24 anos, passou por uma situação constrangedora quando pretendia jantar na praça de alimentação do Shopping Iguatemi. Horas antes havia sacado R$ 50 de um caixa eletrônico da Avenida Faria Lima, nos Jardins, perto de onde trabalha. "O funcionário recebeu meu pedido e quando entreguei o dinheiro ele devolveu a nota dizendo que era falsa." Ela não sabe se foi enganada pelo funcionário do caixa. Irritada, desistiu de comer. Procurou o banco e disseram que não era possível que uma nota falsa estivesse no caixa eletrônico, porque o dinheiro passa por funcionários habilitados antes de ser colocado no equipamento. "Fiquei com raiva e rasguei a nota." Apesar da explicação, já foram comprovados casos de notas falsas em caixas eletrônicos. Um deles ocorreu na Tijuca, no Rio, onde uma senhora sacou R$ 30 no ano passado. Uma das cédulas era falsa. Ela procurou a delegacia de polícia do bairro e o titular mandou lacrar o caixa até a chegada do Banco Central. Quando os técnicos da instituição retiraram o lacre, encontraram no aparelho 146 notas falsificadas. Com as investigações, a polícia e os técnicos do BC descobriram que houvera má-fé de dois funcionários. Eles faziam parte de um esquema com falsários. Perito O delegado Camassa é um estudioso do assunto. De uma família de numismatas, investiga há muitos anos os falsificadores de dinheiro. "Onde houver uma falha para ser explorada, é lá que os falsários atuam com suas impressoras, copiadoras de última geração, produtos químicos e tintas." Camassa declarou que, com a força do real, os falsários começaram a "lavar" as cédulas de R$ 1 para transformá-las em R$ 100. Descobertos, passaram a falsificar as de R$ 10. "Davam banho de anilina vermelha na nota falsa e tentavam envelhecer para suprir a ausência do papel moeda", explica o delegado. "Mas o falsário brasileiro não conseguiu atingir o estágio dos falsários alemães e quem conhece dinheiro não recebe o que é falsificado aqui."

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