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Deputado do castelo usa discurso de Temer e se diz anistiado

Edmar Moreira defende que não pode ser punido pois não havia regras claras sobre uso de verba indenizatória

Por Luciana Nunes Leal e da Agência Estado
Atualização:

Em defesa encaminhada ao Conselho de Ética, o deputado Edmar Moreira (sem partido-MG), que responde a processo por quebra de decoro parlamentar, usou um discurso do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), para sustentar a tese de que não pode haver punição para uso irregular da verba indenizatória porque não havia regras claras no passado.

 

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Moreira ficou conhecido por ser dono de um castelo em Minas Gerais e por não ter declarado esse imóvel à Receita Federal. Mas ele está sendo processado na Câmara sob outra acusação: a de ter usado dinheiro público em benefício próprio, pois não comprovou a prestação de serviços de segurança pelos quais pagou R$ 230,6 mil utilizando, em 2007 e 2008, recursos da verba indenizatória a que os parlamentares têm direito. Sua defesa foi encaminhada ao conselho na terça-feira.

 

O deputado contratou duas empresas de sua propriedade, a Itatiaia Ltda. e a Ronda Ltda.. A suspeita foi reforçada em relatório da comissão de sindicância da Corregedoria responsável pela investigação preliminar do caso.

 

No documento encaminhado ao conselho, Edmar transcreve trecho do discurso de Temer feito em plenário na quarta-feira passada, quando o presidente anunciou uma série de medidas para disciplinar o uso da cota de passagens aéreas, outro benefício a que os deputados têm direito e foi usado indevidamente por vários parlamentares.

 

Na ocasião, Temer afirmou, referindo-se às cotas de passagens, que "não houve prática ilícita no passado", numa clara anistia aos que cometeram abusos.

 

Edmar Moreira deu destaque especial, na sua defesa, à parte do discurso em que Temer compara as novas regras das passagens às normas que disciplinaram o uso da verba indenizatória. O primeiro trecho do discurso de Temer reproduzido pelo deputado processado é o seguinte: "Com isso, quero significar que não houve ilícito de nenhuma natureza em relação ao passado. Aqueles que se utilizaram das passagens, sem que houvesse - embora a expressão seja fluida - regras claras e precisas a respeito, não estavam a cometer ilícito de qualquer natureza. De modo que, tal como fizemos com o caso da verba indenizatória, em que havia um sistema normativo anterior revogado por um sistema normativo novo, é claro que não se pode questionar o que ocorreu no passado."

 

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'Exceção absoluta'

 

Em sua defesa, Moreira sustenta que seu caso é "exceção absoluta" pelo fato de nenhum outro deputado ser processado por uso indevido da verba indenizatória. "Essa exceção é confirmada pelas palavras do excelentíssimo senhor presidente Michel Temer", diz Moreira, já nos primeiros parágrafos do documento.

 

Logo em seguida, reproduz mais um trecho do discurso do presidente: "Que haja questionamentos da mais variada natureza: se foi correto, se não foi correto, esse é um questionamento não jurídico a meu ver. O que quero deixar claríssimo aos senhores parlamentares é que não houve prática ilícita no passado. Haverá, isso sim, a partir de agora, se não cumpridas as regras claríssimas que agora foram expedidas. Em palavras finais, portanto, para tranquilidade dos senhores parlamentares, quero reiterar que, no passado, ninguém agiu de forma ilícita. Fa-lo-á se não cumprir a regração, que agora estará transparentemente na internet, podendo ser acompanhada por todo e qualquer cidadão brasileiro."

 

As mesmas frases de Temer foram repetidas em outro momento da defesa, quando Edmar Moreira volta a repudiar o fato de ser "o único submetido a processo disciplinar". Depois de reproduzir mais uma vez as palavras do presidente da Câmara, o deputado indaga: "A afirmativa de que ninguém agiu de forma ilícita só não é aplicável ao meu caso?"

 

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O próprio deputado acusado fez referência ao fato de ter ficado conhecido por ser proprietário de um castelo avaliado em R$ 25 milhões. Ele argumenta não ter declarado esse bem à Receita por ter transferido a propriedade a seus dois filhos. "Até o momento não importam os fatos e sim a versão de alguns aproveitadores totalmente comprometidos com o espetáculo do deputado do castelo", protesta.

 

Edmar Moreira insiste na afirmação de que suas empresas não eram fantasmas e defende a prática de receber a verba indenizatória em dinheiro vivo, já que estava com a conta bancária bloqueada pela Justiça. O deputado responde a processo por desvio de recursos do INSS. Na sexta-feira passada, cumprindo decisão judicial, a Câmara suspendeu o pagamento direto ao parlamentar.

 

Aval

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Na avaliação de integrantes do conselho, Edmar Moreira buscou um aval indireto de Temer ao usar como principal argumento a tese do presidente da Câmara de que não há como punir práticas do passado. O deputado entregou a defesa um dia antes do prazo final estipulado pelo Conselho de Ética. Curiosamente, não anexou o rol de testemunhas, mas conselheiros acreditam que ele ainda possa apresentar os nomes nesta quarta.

 

Os três conselheiros que integram a comissão responsável pela investigação sobre Moreira escolheram, na terça, o ex-presidente do conselho Sérgio Moraes (PTB-RS) como relator do processo. A apuração será feita pelo trio: além de Moraes, os deputados Hugo Legal (PSC-RJ) e Professor Ruy Pauletti (PSDB-RS).

 

Na visão de alguns conselheiros ouvidos pela Agência Estado, Edmar Moreira poderá ser beneficiado pela tese de Temer sobre a não punição para irregularidades do passado. No entanto, acreditam que o deputado poderá receber uma punição mais leve que a cassação do mandato, como suspensão. Acham ainda que ele poderá ser obrigado a devolver à Câmara os recursos pagos às empresas de segurança sem comprovação dos serviços prestados.

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