Depois de sonhar com a Presidência, ACM enfrenta o pesadelo da cassação

Por Agencia Estado
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O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) sonhou com a Presidência da República e descarrilou para o pesadelo da cassação. Há dois meses, a crise política agravava-se com a revelação de sua conversa com procuradores do Ministério Público Federal, e o senador ainda recorria aos índices de pesquisa para admitir, ao jornal "O Estado de S. Paulo", uma eventual candidatura ao Planalto. Era o próximo passo desejado por um político que virou sigla (ACM) e atravessou cinco décadas conquistando todos os postos que já havia almejado, desde o primeiro mandato parlamentar, na Assembléia Legislativa da Bahia, até a presidência do Congresso. Nessas últimas semanas, o destino de ACM girou 180 graus e o pôs diante da humilhante possibilidade de encerrar sua carreira política cassado pelos próprios colegas do plenário, que comandou com pulso firme nos últimos quatro anos. Até aparecer a gravação do procurador Luiz Francisco de Souza, era inimaginável a cena de Antonio Carlos Magalhães diante de um tribunal de parlamentares, exposto durante horas à tentativa de convencer os companheiros de Senado de sua inocência no episódio da violação do painel eletrônico do plenário da Casa. Qual o limite da política? Em seu primeiro ano de Senado 1995, ACM respondeu a essa pergunta, feita por jornalistas, no livro Política é Paixão: "Dinheiro público, isso não é vida privada. Sigilo bancário de político - não da vida privada - deve ser extinto." ACM defendia que o homem público não deveria ter qualquer restrição em abrir o segredo de suas contas bancárias. Chegou a autorizar a quebra do próprio sigilo bancário, no ano passado, numa troca de acusações e de dossiês com o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), para provar que não era corrupto. Mas deixou-se fisgar por outra quebra de sigilo, o do voto, e só por uma proeza política conseguirá salvar seu mandato. O futuro de ACM será traçado pelos que o respeitam, o admiram e, também, pelos que o odeiam. Contemporâneos do político de 73 anos explicam o sentimento que ele criou naqueles que o cercaram. "Antonio Carlos é um político raro que consegue reunir duas características muito distintas: de líder e de chefe", define um senador pefelista que divide com ACM algumas décadas de trajetória política. O senador baiano conquistou poder como chefe, a quem todos obedecem e temem, e, ao mesmo tempo, como líder, que é amado, sabe ouvir as angústias alheias e tornar-se solidário. Truculento e impetuoso, passou pela vida acumulando inimigos. Mas sabe ser irresistível no afeto, se quer oferecê-lo. "Malvadeza" - ACM levantou a bandeira da moralidade em sua passagem pelo comando do Legislativo. Mas não conseguiu desgrudar-se da marca do regime militar, o qual apoiou desde o início e dele saltou para não afundar junto. Antonio Carlos sempre teve proximidade com os militares, desde que era um jovem deputado da UDN, na década de 50. Ele tornou-se íntimo do governo Ernesto Geisel, com o acesso direto que tinha ao presidente e com sua relação de amizade com o general Golbery do Couto e Silva. Ao ministro Golbery, o dito gênio estrategista, atribuem a invenção do apelido Toninho Malvadeza, uma tão bem-humorada quanto impiedosa definição de ACM. Mas não apenas dos militares que ACM privava de intimidade. Ele gostava de dar publicidade à sua relação com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, de quem tinha o número do telefone particular. Já com Jânio Quadros, trocou farpas e iniciou ali a fama do político que não deixa escapar a oportunidade de mandar um desaforo por fax - naquela época, telegrama. Jânio foi um dos primeiros alvos da mania que carregou pelos outros mandatos públicos. Disposto a disparar um petardo contra o presidente, ACM, que nunca deixou sem resposta nem as pequenas críticas, tentou, em vão, passar um telegrama com duros comentários dirigidos a Jânio. O correio recusou-se a transmitir a mensagem e Antonio Carlos deu um jeito de dar o "recado", publicando nos jornais sua opinião de que o presidente não tinha caráter. Brigas - Mais tarde, o deputado federal ACM protagonizou na Câmara memoráveis brigas registradas pelos fotógrafos e pelos anais da Casa, como a que travou com o deputado maranhense Pedro Braga. ACM fazia um discurso da tribuna quando o colega pediu-lhe um aparte para contrapor-se às suas idéias. Corajoso e atrevido, o deputado baiano retrucou duramente e o maranhense chamou-o para a briga. "Desce aqui, cabra macho!" Não deu outra. ACM, furioso, imediatamente desceu da tribuna e partiu para cima do desafeto. O amadurecimento político não o livrou de se envolver em brigas típicas de rua. Há poucos anos, já no Senado, ACM desentendeu-se com o senador Ney Suassuna (PMDB-PB) e quase deu-lhe um soco perto dos colegas. O instinto de político também o fez deslizar de situações embaraçosas, como o afastamento dos militares para agregar-se à campanha presidencial de Tancredo Neves, o apoio ao governo de Fernando Collor e o isolamento da administração de Itamar Franco. Depois, o poder resgatado e, mais do que nunca, ampliado durante as gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso, com a ajuda de seu filho Luís Eduardo Magalhães. Paixão - Antonio Carlos Magalhães formou-se médico, trabalhou como jornalista e ingressou na vida política em 1954 como deputado estadual. Foi deputado federal duas vezes, prefeito de Salvador, governador da Bahia três vezes (a última, por eleição direta), ministro das Comunicações, senador e presidente do Congresso. Um apaixonado e astuto da política, autor de vários dossiês contra seus inimigos, que também levou rasteiras dos adversários. Como no episódio do dossiê sobre corrupção no governo Itamar Franco que ameaçou divulgar. O então presidente concedeu-lhe audiência para ele entregar a documentação, não sem antes colocar toda a imprensa dentro de seu gabinete para constranger publicamente o governador baiano. ACM perdoou Itamar muito tempo depois, do vexame a que foi submetido. Agora, Antonio Carlos está rompido com o presidente Fernando Henrique, sem horizonte de reconciliação e com o seu futuro político ameaçado. Situação desencadeada pela guerra política, sem precedentes em sua história, travada com o atual presidente do Senado, Jader Barbalho. Começou com a disputa por poder no governo, mas, aos poucos, nutrida pelo ódio de ACM a Jader, foi crescendo. A personalidade de ACM, que varia entre suas reações de amor e de ódio a amigos e a adversários, reflete como um espelho nas centenas de manifestações populares recebidas pelo senador baiano. Durante o depoimento prestado na quinta-feira, ACM recebeu em seu gabinete 110 e-mails. Cerca de 60% transmitindo votos de admiração e de confiança no senador. Como o de um estudante da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, que falou de sua "admiração pela postura, ordem e força com que o senador comanda e defende suas idéias". Ou o de Fernando S., de Fortaleza, afirmando que, "se cada Estado brasileiro tivesse um ACM como tem a Bahia, o Brasil seria o melhor país do mundo". O restante das mensagens, em geral, anônimas, trazem comentários irados e rancorosos. Como o e-mail sem assinatura e com endereço de São Paulo, referindo-se a ACM como "um político das antigas, do velho coronelismo que tem de ser extinto no País". ACM equilibra-se entre o amor e a raiva de eleitores, mas os efeitos de sua conduta, temperamental e arrogante, são nítidos no meio político. Por isso seu julgamento no Senado será sobretudo, político, com alguma carga de emoção.

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