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Denúncia liga caso Água Espraiada com governo Collor

Por Agencia Estado
Atualização:

O Ministério Público Estadual (MPE) abriu investigação sobre a existência de um elo entre o grupo de empresas acusado de participar do esquema de desvio de dinheiro da construção da avenida Água Espraiada, durante a gestão do ex-prefeito pepebista Paulo Maluf (candidato ao governo do Estado), e um outro grupo de empresas que atuou no Estado, entre 1991 e 1992, e que agia supostamente em nome de pessoas do primeiro escalão do governo de Fernando Collor de Mello (PRN). A existência do elo de ligação entre os dois esquemas foi denunciado, em depoimento sigiloso ao Ministério Público no final de semana passada, pelo construtor Antônio Pereira, dono da Apol Construtora. Pereira iniciou, em 1991, dois projetos de construção de habitações populares em parceria com o grupo que agia durante o governo Collor. O construtor denunciou ao Ministério Público que durante o desenvolvimento dos projetos descobriu que o grupo pretendia "apenas utilizar o nome dele" e de sua empresa, a Apol, num suposto esquema de "tráfico de influência" e "desvio de dinheiro público". A Apol, uma construtora de médio porte na época, já havia atuado em obras públicas importantes, como a construção do prédio da Assembléia Legislativa de São Paulo e o Quartel General do Comando Militar Sudeste, na capital. Pereira afirma que, quando descobriu os planos do grupo, tentou desfazer a associação, mas diz ter sido envolvido em uma rede de pressões que culminaram com a falência de sua empresa, no final de 1992. A peça-chave de ligação entre os dois grupos, de acordo com Pereira, é o empresário José Santa Rosa, investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal (PF) por causa de seu envolvimento com o desvio de dinheiro na construção da Água Espraiada. "Já temos provas suficientes para indiciá-lo como integrante do esquema", garante, à Agência Estado, o promotor que conduz as investigações, Silvio Antônio Marques, da Cidadania. Santa Rosa começou a ser investigado, há quatro meses, depois que o Ministério Público descobriu que era ele quem controlava a Jatobá Esquadrias de Madeiras, uma empresa fantasma que durante a construção da Água Espraiada recebeu vários milhões de reais por obras que nunca executou. A Jatobá pertencia oficialmente a Geralda Magela Cardoso, uma empregada doméstica desempregada que vive em um barraco na Favela do Lixão, em São Paulo, e a um homem morto, Samuel de Souza, que também vivia na mesma favela. A Jatobá e outras 21 pessoas físicas e jurídicas foram apontadas como integrantes do esquema de desvio do dinheiro da Água Espraiada por Simeão Damasceno, ex-coordenador financeiro e administrativo da construtora que realizou a obra, a Mendes Júnior. Damasceno revelou ao Ministério Público os nomes de empresas que emitiam notas frias para a Mendes Júnior, como se tivessem prestado serviços que nunca foram realizados, durante a construção da avenida. No início de maio, estas investigações resultaram na decretação da quebra de sigilo das 22 pessoas físicas e jurídicas envolvidas, entre elas a Jatobá e Santa Rosa. A Jatobá é tida como um caso especial pelo Ministério Público. Assim que começaram a investigar as denúncias de Damasceno, os promotores descobriram que a Jatobá, antes de ser transferida para o nome dos dois ´laranjas´, pertencia a José Santa Rosa e à esposa dele, Valquíria Madeira. Documentos obtidos pela Agência Estado mostram que a Jatobá foi transferida para a empregada doméstica e para o morto, num suposto contrato de compra e venda no valor de Cr$ 50 mil, registrado na Junta Comercial de São Paulo, no dia 31 de agosto de 1993. Com a quebra do sigilo bancário e o depoimento de outros envolvidos, o Ministério Público garante ter obtido provas materiais do envolvimento de Santa Rosa no esquema de desvio de dinheiro da Água Espraiada. Santa Rosa é investigado também pelo Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) e pela Polícia Federal (PF). Facilidades Pereira revelou, em seu depoimento ao Ministério Público, que Santa Rosa agia em conjunto com um grupo de empresários. Eles procuraram o construtor, em 1991, assim que Collor assumiu o Presidência, prometendo facilidades na tramitação de verbas públicas destinadas a projetos de construção de casas populares. Na época, a construtora de Pereira já conseguira aprovar o projeto de construção de um conjunto habitacional com 1.100 unidades, em Pindamonhangaba (SP). "A proposta deles, neste caso, era se associar comigo no projeto, em troca de agilizar a liberação de dinheiro oficial", conta Pereira. O grupo iniciou ainda, com a Apol, o projeto de construção de outro conjunto habitacional, com 64 unidades, na cidade de Salto (SP). O grupo rapidamente mostrou eficiência, transitou com Pereira por corredores palacianos, em Brasília, obteve promessas de liberação de verbas. "Chegaram a comprar, e passaram para o nome da Apol, um terreno de 2 mil metros quadrados em Salto, pago com dinheiro deles", revelou Pereira. "Tudo acontecia muito rápido, dava para ver que eles realmente conseguiam o que prometiam." De acordo com Pereira, foi então que Santa Rosa e outros dois empresários do grupo, cujos nomes ainda são mantidos em sigilo, exigiram a participação de 75% em todos os empreendimentos. "O plano deles era superfaturar os preços e ficar com a maior parte do dinheiro. Claro que eu não aceitei", revela Pereira. O fim A decisão do construtor iniciou uma guerra surda de pressões que resultou na falsificação de uma duplicata de Cr$ 378 milhões, emitida contra a Apol pela Colonial Esquadrias de Madeira, empresa de Santa Rosa. A nota referia-se à suposta compra, pela Apol, de três mil chapas de madeira plastificadas de 18 milímetros, utilizadas para erguer construções de concreto armado. "Nunca comprei estas chapas. Era uma quantidade de madeira que só se usa em grandes construções, o suficiente para encher mais de vinte carretas", argumenta Pereira. O construtor garante que sua assinatura foi falsificada na promissória. Ao longo de todo o processo que se seguiria depois, nunca apareceram provas da existência destas chapas. A nota fiscal que deveria ter sido emitida caso a transação realmente tivesse ocorrido também nunca apareceu no processo. Neste momento, começavam em Brasília as investigações que culminariam com a abertura do processo de cassação de Collor. "Com a crise do governo Collor, todas as empresas do grupo começaram a ser rapidamente desativadas", conta Pereira. "No início de 92 elas já nem funcionavam mais." Conforme Pereira, antes de desativar a Colonial, Santa Rosa "vendeu" a duplicata de R$ 378 milhões para a empresa Sifra Factoring Sociedade de Fomento Comercial Ltda., empresa de Sinésio Santa Rosa, propriedade do irmão de Santa Rosa. Com base nesta duplicata, a Sifra, pediu a falência da Apol. A falência foi decretada em julho de 92, num processo onde o próprio advogado de Pereira, Ademir Antônio Mouro, reconhece que houve falhas na atuação da defesa. "Eu assumi o caso quando já havia pouco a fazer. O Antônio, um homem muito simples, não acreditou até o último momento que eles queriam mesmo a sua falência e, por isso, sequer se defendeu como deveria", disse Mouro à Agência Estado. De acordo com Pereira, em 1996, numa operação que intrigou até o promotor Marques, um enviado de Santa Rosa entregou à sua esposa um contrato com recibos dando quitação completa de toda a suposta dívida de Cr$ 378 milhões. Pistas Os promotores da Cidadania e do Gaeco, que investigam o emaranhado de empresas que atuou no desvio de dinheiro da Água Espraiada, acreditam que investigações em torno do grupo citado por Pereira podem levar à descoberta de um esquema de corrupção instalado, há anos, em vários escalões da vida pública. "Pereira citou vários nomes de pessoas e de empresas que serão investigados", afirma Marques. De acordo com o construtor, todas as empresas do grupo foram desativadas após a queda de Collor. "Além dos negócios feitos comigo, eles agiram com diversos outros construtores naquele tempo, mas eu não sei qual era a natureza destes outros negócios", afirma Pereira. Cópia do depoimento de Pereira e os documentos entregues por ele para o Ministério Público serão encaminhados na próxima semana para a Polícia Federal, que também investiga a atuação das empresas. Procurado pela AE, Santa Rosa não respondeu aos telefonemas. Quando foi informada do que se tratava, sua esposa, Valquíria, que atendeu às ligações, desligou o telefone sem dar resposta. Maluf O ex-prefeito Paulo Maluf respondeu por intermédio de seu assessor de imprensa, Adilson Laranjeira, sobre o envolvimento de seu nome nas investigações da Água Espraiada. "Este depoimento (de Antônio Pereira) não cita Paulo Maluf e a questão que certos promotores do Ministério Público pretendem criar continua sendo apenas da competência da Receita Federal. O surpreendente é que estes promotores, na falta do que fazer, continuam investigando esse assunto, quando deveriam estar na verdade mais preocupados com a situação de violência total e falta de segurança em São Paulo", afirmou Laranjeira.

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