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''Delação é opção para réu sem saída''

Advogada defende colaboração premiada em ações contra crime organizado, mas admite que há riscos

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Por Fausto Macedo
Atualização:

Advogada pós- graduada em Direito Penal Empresarial pela FGV, formada há 12 anos, Beatriz Catta Preta tornou-se sinônimo de uma advocacia incomum - desde que seu escritório passou a dedicar-se também a casos de delação premiada. Em vigor há 10 anos, a delação tem amparo na Lei 9.807/99, que estabelece normas para proteção de testemunhas e réus colaboradores. No entanto, poucos são os bacharéis que agem nesse campo. Grandes nomes do Direito e criminalistas consagrados repudiam a delação e a ela resistem. Veem nesse instituto um "entreguismo abominável". Para eles, a colaboração põe abaixo a ética e dá margem a cismas e intrigas entre pessoas que, antes de se tornarem alvos de ações judiciais, mantinham relacionamento marcado pela confiança mútua. Aos 34 anos, Beatriz faz outra avaliação da delação, para ela importante alternativa jurídica a que todos os réus têm direito e devem recorrer. Determinada, respeita opiniões divergentes de seus colegas, mas não hesita em adotar a delação. Qual é a eficácia da delação? Já trouxe resultados importantes. Não apenas do ponto de vista do réu, mas da sociedade, à medida que suas informações podem realmente contribuir para o desmantelamento de organizações criminosas. A delação é opção jurídica para o réu que se vê sem saída. Há provas muito fortes contra ele numa investigação. Tudo o que ele revelar vai ser usado pela acusação. Já estamos vendo operações e investigações em virtude de delações. Mas é realmente um instituto controvertido. Há resistências? As delações têm ocorrido em processos com grande quantidade de réus. Um réu decide colaborar e sai do processo, a ação é desmembrada. Ele vai responder a um processo apartado. Os outros não ficam sabendo o que está sendo dito naquele apartado da delação, que corre sigilosamente. Advogados de outras partes não sabem o que está sendo dito, eventualmente, a respeito de seus clientes. Essa é a grande briga. Por que trabalha com delação? Entendo que a delação possa mesmo violar a questão do ponto de vista moral, algo incabível dentro dos princípios em que todos vivemos. Mas é alternativa jurídica e legal para o réu, uma saída, uma defesa. Existe a possibilidade de condenação, até 15 anos de prisão, por exemplo. Não há como ignorar a chance de se reduzir drasticamente essa punição, a redução de um sexto a dois terços da pena e até o perdão judicial. É excelente para o réu. As sentenças não são boas para os delatados, mas para quem optou pelo acordo. Há riscos para o réu? Os riscos são inerentes. A única garantia é o sigilo. A delação, por si só, é um risco. A pessoa, bem ou mal, está descortinando algo ou alguém. Não fosse a palavra do delator talvez jamais as autoridades pudessem encontrar seus alvos ou descobrir os movimentos de alguma organização criminosa. A lei precisa ser aperfeiçoada no sentido de segurança e proteção ao colaborador. Não existe previsão de proteção efetiva. O que o juiz pode oferecer é, eventualmente, a inserção no Programa de Proteção à Testemunha. O que pesa para o acordo? É a qualidade da informação que interessa ao Ministério Público e à Justiça. Não interessa quantos nomes, mas que para cada nome se tenha dados a falar. Tem que dizer que José da Silva comete tal ilícito, de tal forma, em tal endereço, usando tal artifício. Muitos imaginam que delação é entregar milhões de pessoas. Não é isso. Cabe destacar que todo colaborador, necessariamente, vai responder a uma ação. A delação significa reconhecer culpa. Há tendência para mais acordos? Muitos têm interesse, mas temem pela própria segurança. Em outras situações, os réus não têm possibilidades financeiras. A delação implica pagamento de multa, em ressarcimento dos cofres públicos. São multas altas. Infelizmente, acaba sendo opção inviável. O maior incentivo à delação são as sentenças já aplicadas, resultados da colaboração. Réus que tiveram penas infinitamente mais baixas, resumidas à prestação de serviços. Não é incentivo ao dedurismo? O colaborador não faz isso porque gosta. Ele se sente absolutamente desconfortável, mas juridicamente era a única saída que tinha para não ser preso. Não é confortável fazer o papel de dedo-duro de pessoas com as quais conviveu, que tinha laços de amizade, de confiança. Apresentamos alternativas de defesa e suas consequências. Cabe ao réu definir o caminho que quer tomar. Temos 3 casos em colaboração no escritório, um foi fechado em dezembro, com sucesso. Ainda é pouco.

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