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Defender golpe não é direito individual; leia análise

Diante de pronunciamentos quase que diários versando sobre suas tendências autoritárias, ficamos absortos como nação aguardando o possível momento de ruptura. Seria o 7 de Setembro um prenúncio do que está por vir?

Por Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima
Atualização:

“Temos um presidente que não deseja e nem provoca rupturas. Mas tudo tem um limite em nossa vida. Não podemos continuar convivendo com isso". O anúncio de golpe foi verbalizado pelo presidente da República no último dia 28, em Goiás, quando discursava para lideranças evangélicas. Indignado com decisões recentes do STF e do TSE, Bolsonaro alardeia para os quatro cantos que não se sujeitará às regras democráticas.

Diante de pronunciamentos quase que diários versando sobre suas tendências autoritárias, ficamos absortos como nação aguardando o possível momento de ruptura. Seria o 7 de Setembro um prenúncio do que está por vir? A convocação em massa de policiais para os atos seria uma demonstração de força do presente, ao indicar que o braço armado do Estado está ao seu lado? Estariam as eleições de 2022 ameaçadas?

Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro tentam passar pela barreira na frente do Itamaraty. Foto: ANTONIO MOLINA/FOTOARENA

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Este debate, que agora permeia as nossas conversas cotidianas, parece ignorar uma tendência vista em diferentes países que rumaram ao autoritarismo, seja através de líderes à esquerda ou à direita do espectro político. Índia, Venezuela, Turquia, Hungria e Nicarágua são apenas alguns exemplos possíveis em que os vários esforços para destruir o regime democrático são “legais”, posto que aprovados pelo Legislativo ou aceitos pelo Judiciário. A vida continua acontecendo, as eleições seguem no horizonte, mas não existe mais uma democracia funcional.

Bolsonaro segue esticando a corda e verbalizando quase que diariamente sua rejeição às regras democráticas. E as Polícias Militares são atores importantes desta estratégia de ruptura, dado que tem a capilaridade que as Forças Armadas não têm. Afinal, que outra organização pública possui servidores em todos os municípios do país, com porte de arma?

Pesquisa divulgada nesta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que a interação de profissionais da segurança pública em ambientes bolsonaristas radicais, que pregam a prisão de juízes do STF e fechamento do Congresso, cresceu 24%. O destaque vai para os oficiais das Polícias Militares, cujo ativismo nestes ambientes aumentou 35% no último ano, em clara contaminação do ambiente político na caserna. O caso do coronel Aleksander Lacerda não foi, portanto, ato isolado. Teses golpistas, que subvertem a democracia e chamam os policiais a participar, se reproduzem como vírus nas redes sociais.

Apesar de o dado revelar a pouca disposição democrática de alguns milhares de policiais, o dado mais importante e que merece ser destacado é o percentual dos que não indicam adesão às tendências autoritárias do presidente da República. Desagregando por corporação, temos 52% dos Policiais Militares, 87% dos Policiais Civis e 83% dos Policiais Federais que não flertam com o bolsonarismo em ambientes digitais. Isto significa dizer que, se os policiais são atores importante na estratégia desonesta do presidente da República, o fato é que a maioria dos agentes da lei não parece disposta a apoiar as teses autoritárias do inepto ocupante do Palácio da Alvorada.

Em meio ao processo de erosão da democracia em curso, as Polícias cumprem papel fundamental na estratégia de Bolsonaro. E garantir que os mecanismos institucionais farão frente aos movimentos autoritários é o dever de cada democrata.

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Assim, quando alertamos para riscos, não estamos contra as instituições policiais ou aos seus profissionais. Ainda mais quando estamos falando de uma instituição de força e de carreiras de Estado. Um policial não representa apenas a si mesmo, mas, quando na ativa, ele é a garantia de que as leis do país serão cumpridas e os direitos da população serão assegurados. Quem está na ativa tem uma responsabilidade de representar o Estado Democrático de Direito e não apenas suas posições ou preferências individuais.

Ou seja, ao analisarmos dados públicos sobre tendências e preferências partidárias estamos jogando luz às fissuras que Bolsonaro já criou na democracia brasileira e quais as forças que agem ou para transformá-las em rachaduras ou para contê-las. Não existem certezas absolutas e, em uma sociedade marcada pelo risco e pela tecnologia, enunciar os interesses em jogo é fundamental.

Não é possível contemporizar com ameaças explícitas e é preciso saber quem as está repercutindo e aceitando. Elas não são liberdade de expressão, ainda mais se enunciadas por um chefe de Poder ou compartilhadas por integrantes de órgãos do Estado.

Até em respeito aos policiais que arriscam a vida cotidianamente, é preciso explicitar que as ameaças não podem ser banalizadas ou naturalizadas. A posição de um representante do Estado não é equivalente à de qualquer outro cidadão; é preciso autocontenção e, sobretudo, respeito às regras.

No final das contas, quem arcará com o custo da leniência serão os próprios policiais, a população e a democracia brasileira. Por certo há muito o que ser modernizado e os policiais precisam ser valorizados, mas confundir defesa de golpe com direito individual é aceitar fazer parte de um projeto de poder antidemocrático e ilegal.

* Samira Bueno é diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

* Renato Sérgio de Lima é diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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