‘Decisão do STF alertou os que têm pendores tirânicos’, diz advogado sobre censura ao 'Estado'

Advogado do Grupo Estado, Affonso Ferreira diz que fim da censura ao jornal foi fundamental para toda a imprensa

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

O advogado do Grupo Estado, Manuel Alceu Affonso Ferreira, afirmou que “decisões como a do Supremo devem servir de alerta para aqueles que têm pendores tirânicos”, ao se referir à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski de derrubar a censura imposta ao jornal O Estado de S.Paulo – que estava proibido de publicar informações da Operação Boi Barrica envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente José Sarney (MDB).

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A decisão foi divulgada na quinta-feira passada, depois de o jornal completar 3.327 dias sob censura por determinação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. “Foram nove anos com muitos incidentes. Eu acho que, em parte, é o tempo da justiça, mas em pouca parte”, disse Ferreira.

Para o advogado, a decisão teve um aspecto fundamental: “Permitir que a imprensa publique o resultado de suas investigações”, disse. “Se a informação chegou ao veículo de imprensa sem que se apontasse qualquer participação do próprio veículo na ruptura desse segredo (de justiça), ele (o segredo) tem que ser revelado. Isso é mais do que uma obrigação. É um dever”, completou. Leia a seguir a entrevista.

Manuel Alceu Affonso Ferreira, advogado do Grupo Estado; caso ficou nova anos na Justiça Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Como o senhor recebeu a notícia do fim da censura imposta ao jornal O Estado de S. Paulo?

Você sabe o que me veio na cabeça quando eu tomei conhecimento dessa decisão? O lema dos Inconfidentes mineiros: Liberdade Ainda Que Tardia. Demorou tanto... São nove anos. A matéria é de julho de 2009. Foram nove anos com muitos incidentes.

Nove anos não é tempo demais?

Eu acho que, em parte, é o tempo da justiça, mas em pouca parte. Eles (advogados de Fernando Sarney) chegaram a desistir da ação. Mas nós nos opomos a isso – dizendo que a mera desistência não bastava. O que nós queríamos é que ele renunciasse a censura que fez. Então, foi um processo cheio de incidentes que talvez justifique um tempo a mais. Mas houve exagero.

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O senhor sempre teve certeza de que o resultado seria positivo?

Eu confiei desde o início. Eu achava que no final a razoabilidade, que é uma mola mestra da ciência jurídica, havia de prevalecer. E foi o que aconteceu.

Qual foi o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) nesse processo?

O Supremo reafirmou aquilo que vem decidindo ultimamente em vários acórdãos liderados pelo ministro Celso de Mello e pelo ministro Luís Roberto Barroso. Se a reclamação de 2009 tivesse sido acolhida, o tempo seria bem menor. Mas o papel do STF foi muito positivo – não só para o jornal, mas para o imprensa em geral e o jornalismo investigativo.

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O que essa decisão significa para o momento político do País?

Para a imprensa tem um aspecto fundamental – que é o de permitir que a imprensa publique o resultado de suas investigações. Mesmo que as provas estejam sob segredo de justiça, o destinatário do segredo de justiça é o juiz, o funcionário do cartório e os advogados. Mas se a informação chegou ao veículo sem que se apontasse qualquer participação do próprio veículo de imprensa na ruptura desse segredo, ele (o segredo) tem que ser revelado. Isso é mais do que uma obrigação. É um dever.

Nesse sentido a decisão do Supremo pode servir como um alento contra as tentativas de censurar a imprensa?

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Eu espero que sirva de alerta para que não haja um recrudescimento da censura. E para que esses políticos alcançados pelas Lava Jatos da vida não sigam o mesmo caminho sabendo que vão perder. Decisões como a do Supremo devem servir de alerta para aqueles que têm pendores tirânicos. A imprensa cumpre o papel dela quando informa e opina.

Os riscos à liberdade de imprensa fizeram parte do debate eleitoral deste ano. Como o senhor viu esse debate?

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Esse é um tema que tem que estar permanentemente recebendo luz, não pode ser escondido nos escaninhos da justiça. A pior censura é aquela que vem do Judiciário. É o poder que menos se espera atitudes desse tipo. Vindas do Executivo já tivemos várias no regime militar; vindas do legislativo também; mas não vindas do Judiciário, que é um poder independente. Judiciário e imprensa precisam andar de mãos dadas.

Como o senhor avalia a relação do presidente eleito, Jair Bolsonaro, com a imprensa?

Eu tinha uma expectativa pior, mas ele está sabendo acatar as incursões da imprensa. Se não fizer por convicção própria, faz por habilidade. Essa é uma batalha que a imprensa sempre vencerá. Mesmo em tempos de Donald Trump (presidente dos EUA que tem uma relação conflituosa com a imprensa).

O jornal Folha de S.Paulo tem sofrido críticas e ameaças de retaliação do presidente eleito...

Parece que ele já voltou atrás com a ideia de cortar verbas publicitárias. O único caminho é o da Justiça. O de processar quem ele considerar que abusou da liberdade de imprensa – coisa que a Folha não fez.

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As chamadas fake news (notícias falsas) são um instrumento que corroem a liberdade de expressão?

É preciso prudência no combate às fake news. A liberdade de expressão tem que prevalecer. Punir notícias falsas e quem as espalha é competência da Justiça e de mais nenhum agente público.

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