De novo, há orégano no ar

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Por Redação
Atualização:

Não fossem as reações efusivas de seus aliados , o voto de desempate do senador Renan Calheiros pelo arquivamento da representação do PSOL contra o suplente de senador - cumpre chamá-lo assim, dada a inexistência de votos a lhe sustentar o mandato - Gim Argello não despertaria maior atenção. Não fossem as avaliações segundo as quais quem absolve um absolve dois, agora correntes entre os amigos do presidente do Senado, seria normal atribuir o voto à límpida convicção de Renan Calheiros de que o suplente de Joaquim Roriz está perfeitamente apto a exercer o mandato a despeito de responder a acusações por desvio de verbas na Câmara Legislativa do Distrito Federal, grilagem de terras, recebimento de propina e envolvimento na operação (Aquarela) que levou o titular à renúncia, em junho. Gim Argello é suspeito de ter participado da partilha de R$ 2,2 milhões do empresário Nenê Constantino entregues a Roriz, alegadamente a título de empréstimo pessoal. Ato quase contínuo à decisão da Mesa de arquivar a representação, os aliados de Renan Calheiros já começavam a se movimentar disseminando a tese de que, por analogia, se a direção do Senado não achou por bem examinar o caso de Gim Argello levando em conta o "conjunto da obra", se fez um julgamento "técnico", o plenário também deverá adotar o mesmo critério quando o caso do presidente for à votação. Está posta, pois, a nova estratégia de defesa de Calheiros e a razão essencial do voto de desempate no caso Gim Argello: a produção de um argumento em causa própria. Não obstante a distância abissal entre a situação de um e de outro, observava-se ontem entre os senadores uma nítida alteração de humores em prol da tese agora defendida por Calheiros. Tese esta, vê-se agora com nitidez, que começou a ser engendrada já no dia da posse de Gim Argello, quando a oposição recuou de sua disposição de questioná-lo "duramente" e o suplente abriu mão de se defender. Nada falou que pudesse comprometê-lo depois. Houve, no plenário, uma concordância tácita geral e assim saíram todos para o recesso deixando um estranho vestígio de encenação no ar. Pouco mais de um mês depois, o suplente foi absolvido liminarmente porque prevaleceu o argumento de que todas as acusações existentes contra ele são anteriores à posse no mandato de senador. Não se levou em consideração o fato de o suplente já ter sido diplomado quando surgiu a acusação resultante da Operação Aquarela. Atropelou-se também o conceito do precedente. Jader Barbalho seria alvo de processo (não foi porque renunciou antes) por atos anteriores ao mandato, quando era governador do Pará e ministro do governo José Sarney. Os casos de José Dirceu e Luiz Estevão não se incluem nessa jurisprudência. Dirceu, mesmo no exercício do cargo de ministro da Casa Civil, era deputado quando ocorreram os escândalos ora em exame pelo Supremo Tribunal Federal; Luiz Estevão foi cassado por mentir ao Senado e não propriamente por envolvimento nos desvios de verbas nas obras da sede do Tribunal Regional do Trabalho, em São Paulo, antes de ser eleito senador. Ainda assim, a alegria dos aliados e a tendência ao "afrouxamento" de parcela considerável dos senadores com base no arquivamento da representação contra o suplente de Roriz não se justificaria à luz do caso Luiz Estevão. Renan Calheiros, pelo que aponta a perícia da Polícia Federal, também mentiu ao Senado quando apresentou documentação eivada de irregularidades para sustentar comprovação de renda e de evolução patrimonial. Na ocasião, emprestou fé absoluta àqueles documentos. E por que os ventos começam a soprar de novo benfazejos? Principalmente porque Renan Calheiros permaneceu na presidência do Senado. Com isso, preservou o poder e os armamentos de pressão, pôde ser decisivo no arquivamento do caso Gim Argello, tido como uma preliminar para sua absolvição, e pode hoje contar com o esquisitíssimo privilégio de expor suas razões em sessão secreta aos três relatores de seu processo no Conselho de Ética. Longe do questionamento público, no fim do expediente (às 18 horas) e em meio ao momentoso julgamento no Supremo Tribunal Federal, que prende todas as atenções. Olho de rei O ministro da Defesa, Nelson Jobim, cumpriu sua obrigação ao mandar abrir processo administrativo para apurar responsabilidades na Agência Nacional de Aviação Civil pela apresentação de documentos com normas falsas à Justiça para conseguir a liberação da principal pista do aeroporto de Congonhas. Jobim não fez nada de extraordinário. Nada demais diante do que se espera de uma autoridade pública. Mas, diante do "de menos" que se vê nesta terra de cegos e surdos ante toda sorte de desmandos - aí incluída a longa história de meses de omissão governamental no trato da crise aérea -, a atitude do ministro da Defesa destaca-se positivamente como um contraponto salutar.

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